Ainda não é a versão final, mas Chase Carey, diretor geral da Formula One Management (FOM), informou nesta segunda-feira (27/4) como deverá ser o campeonato deste ano. Está mantida a meta de a temporada começar com o GP da Áustria, no Circuito Red Bull Ring, em Spielberg, de 3 a 5 de julho.
Apesar das severas restrições provocadas pela Covid-19, FOM, FIA, os representantes das dez equipes e os promotores das corridas estão tentando encontrar soluções que atendam a todos os interesses para viabilizar a largada do mundial. O desafio ainda é grande, por isso Carey destacou que o anunciado, hoje, pode ser revisto.
Há proibições ou exigências dos países para receber estrangeiros, a necessidade de obedecer às imposições de conduta, limitações de movimento, uso de indumentária determinados pelas autoridades sanitárias.
Mais: existem dificuldades para organizar voos e receber autorização para os caminhões das equipes atravessarem as fronteiras. Esses são exemplos de problemas que as lideranças da F1 trabalham para resolver.
Na hipótese de as coisas fluírem, o campeonato teria três fases distintas, segundo Carey. Na primeira, as corridas seriam na Europa. Sem público nas arquibancadas, ao menos as primeiras, poucos profissionais envolvidos e com apenas jornalistas e operadores de TV, sem a imprensa escrita - a maioria na F1.
Depois da prova de Spielberg, na Áustria, o calendário pode ter duas seguidas em Silverstone, Inglaterra, nação sede de sete dos dez times. As outras duas são Itália e Suíça.
Aqui uma curiosidade. A FOM realizaria o GP da Grã-Bretanha programado desde o ano passado, dia 19 de julho, e logo em seguida, dia 26, outro. Ambos como o da Áustria: sem torcida.
Este segundo teria um caráter quase inédito. A FOM alugaria Silverstone para recebê-lo. O valor pago pelos promotores das corridas representa a maior fonte de receita da FOM. Mas a condição do mundo é tão particular que a FOM vai pagar ao British Racing Drivers Club (BRDC), proprietário de Silverstone, para promover a segunda prova.
Como o BRDC tem de pagar para receber o GP da Grã-Bretanha e, em seguida, receber pelo uso do autódromo para o segundo, é até provável que tudo já esteja acertado. Os promotores europeus pagam a FOM US$ 25 milhões – R$ 135 milhões – a cada edição do evento. Mônaco é a exceção na Europa. Sabe-se ser bem menos. A estimativa é de US$ 5 milhões – R$ 27 milhões.
Os dois GPs em Silverstone são um pedido das escuderias com sede na Inglaterra. Não têm de bancar as elevadas despesas de deslocamento de seus profissionais e dos que criam as condições para seu trabalho, como a montagem dos faraônicos motorhomes.
E atende, também, aos interesses da FOM e FIA, de disputar uma prova onde é possível e também ganhar tempo, à espera da liberação de outros países.
Nesse sentido, o cancelamento do GP da França gera perguntas inquietantes. Não foi adiado, como o da Holanda, Espanha, mas já anunciado como fora, este ano, da temporada.
Se os franceses quisessem sua prova, é de total interesse dos times, da FOM e da FIA encaixá-lo no calendário, como estão fazendo com os demais. Cada GP a menos significa redução importante no faturamento da F1.
A razão mais provável para não termos o GP no Circuito Paul Ricard, a meia hora de carro de Marselha, é a decisão de o governo francês cortar o investimento que faz no evento para priorizar sua luta contra a pandemia do coronavírus. Eric Boullier, diretor do GP da França, limitou-se a dizer que o evento estava cancelado.
Depois das corridas na Europa, a F1 irá para o Azerbaijão, Rússia e Japão. A fase seguinte do calendário reunirá as provas dos Estados Unidos, do México e Brasil, para as restantes encerrarem o ano: Vietnã, China, Barein e Abu Dhabi. Por enquanto, o GP Brasil segue onde está, dia 15 de novembro. De novo: tudo segue em estudos.
Imagine que os planos da FOM são de o campeonato ainda ter 18 etapas, sem apenas as já canceladas, Austrália, Mônaco, Canadá e França.
A apresentação dos planos para a disputa da 71ª temporada da história da F1, hoje por Carey, nos remete a uma história que precisa ser contada. Revela a provável mudança de postura de quem via com reservas a chegada do Liberty Media a F1. Entenda o caso.
Quando Bernie Ecclestone começou a falar, em 2016, que o grupo de investimento CVC, quem ele representava, aceitava comercializar os direitos comerciais da F1 e dentre os interessados estava o grupo americano Liberty Media, muita gente, dentro e fora da F1, demonstrou preocupação.
Motivo: o modelo americano de encarar o esporte, voltado essencialmente ao show em detrimento da tecnologia, não batia com o DNA da F1. Houve quem projetasse sérias dificuldades de relacionamento entre o Liberty Media e as lideranças da F1.
Pois as negociações fluíram mais rápido do esperado e em janeiro de 2017 os americanos, surpreendentemente, completaram o pagamento da aquisição, no valor total de US$ 8 bilhões – R$ 43 bilhões.
Surpresa porque na terra do Liberty Media, os Estados Unidos, a F1 é um esporte pouco conhecido. As corridas não são transmitidas em TV aberta e o número de telespectadores é relativamente pequeno. Eles não entendem, por exemplo, uma única equipe, a Mercedes, ganhar os seis últimos títulos de pilotos e de construtores.
O fundador do grupo Liberty Media, John Malone, elegeu o americano-irlandês Chase Carey, então com 64 anos, para administrar seu novo negócio. Por o grupo que representa ter uma visão muita distinta, em todos os sentidos, do principal homem que fez a F1 ser o que é, Ecclestone, com 86 anos, Carey literalmente lhe disse que não precisava mais dele. Assim mesmo.
Hoje, pouco mais de três anos depois, é provável que aqueles que viam a negociação com temor de uma americanização da F1 e um conflito filosófico, devem estar dando graças a Deus por o Liberty Media liderar a competição, ter sido o escolhido para explorar os seus direitos comerciais.
É a força econômica do grupo americano que nesses tempos de Covid-19 está permitindo parte das equipes da F1 seguirem existindo e Carey anunciar, nesta segunda-feira, os ousados planos de disputa do campeonato - mesmo em meio a uma grave crise mundial sem precedentes.
Com atuação nos segmentos de produção cinematográfica, séries para emissoras de TV, distribuição de sinal para TV a cabo, gerenciamento esportivo - é dono do multicampeão time de beisebol Atlanta Braves -, o Liberty Media pôde descolar recursos enormes.
Um exemplo: US$ 1,5 bilhão – R$ 8 bilhões - para manter a F1 ativa, ao antecipar pagamentos a vários atores do espetáculo já em dificuldades financeiras, como as equipes.
No mundo de hoje, não são todos os grupos empresariais que teriam um lastro como o demonstrado, agora, pelo Liberty Media, para garantir liquidez ao negócio e salvaguardar seu investimento bilionário, no caso, na F1.
Nem todos sabem que para um GP não ter público a FOM deve descontar no valor pago a ela pelo promotor o que ele arrecadaria com a venda dos ingressos, seu direito.
Repare como o dinheiro que o Liberty Media deslocou de seus outros empreendimentos para a F1 está sendo decisivo para a criação dessa perspectiva - até relativamente positiva - com relação à temporada.