Eu adoro cerveja. Há alguns anos, só encontrava rótulos populares à venda nos supermercados, que se resumiam a Skol, Brahma, Antarctica e, claro, algumas outras marcas com uma mistura pobre de cevada, lúpulo e muita água dentro da lata. Para encontrar algo diferente, de melhor qualidade, eu era obrigada a recorrer a um empório ou loja de importados. De alguns anos para cá, qualquer supermercado oferece uma seção de cervejas artesanais, sejam nacionais ou importadas. Há uma infinidade de tipos, o que dificulta a escolha ou nos obriga a experimentar várias.
Você pode até dizer que estou fazendo uma analogia de mesa de bar, mas não consigo dissociar a invasão dos rótulos cervejeiros do que vemos acontecer hoje no segmento de SUVs compactos. Enquanto Honda HR-V e Jeep Renegade dominam o topo do ranking, com emplacamentos na casa das 50 mil unidades ao ano, o segmento se mantém aquecido com novidades que não param de chegar. E, muitas vezes, o consumidor não sabe o que escolher. Colocamos lado a lado as novidades mais recentes: o inédito Hyundai Creta e o Chevrolet Tracker atualizado. Ambos nas versões topo de linha Prestige 2.0 e LTZ 1.4 Turbo, respectivamente.
Receitas diferentes, mesmo consumidor
O Creta é a grande aposta da Hyundai Motor Brasil, que também é responsável por HB20 no país. Isso denota que ela sabe a receita para cair no gosto do brasileiro - para que você entenda, os outros carros da Hyundai vendidos no Brasil são responsabilidade da Caoa. Primeiro SUV compacto global da marca, o Creta é fabricado em Piracicaba (SP) e empresta plataforma e motor do sedã Elantra. Na versão Prestige, vendida a R$ 99.490, ele vem equipado com motor Nu 2.0 e câmbio automático de seis velocidades. Não há borboletas para trocas de marchas, que podem ser feitas na manopla no modo M.
O motor dá vigor ao Creta, não posso negar. São 166 cv e 20,5 kgf.m de torque que aparecem integralmente aos 4.700 giros e empurram bem os 1.399 kg do modelo. Ágil na cidade, toda essa desenvoltura cobra seu preço no posto de combustível, mesmo com start-stop de série - que desliga e liga o motor automaticamente quando o veículo para e arranca em um semáforo, por exemplo. O consumo, segundo o Inmetro, é de 10 km/l na cidade e 11,4 km/l na estrada quando abastecido com gasolina. No nosso teste, porém, consegui chegar a 7,3 km/l na cidade rodando com o mesmo combustível.
O Tracker é esperto e, mesmo tendo 13 cv a menos que o Creta e sendo 14 kg mais pesado, o desempenho de ambos é equivalente.
E é justamente no motor e no desempenho que o novo Tracker ganhou minha admiração. Afinal, ele já era um conhecido nosso e, depois da repaginada, o motor foi o que recebeu a maior injeção de ânimo. A Chevrolet substituiu o 1.8 aspirado por um moderno 1.4 turbo (o mesmo do Cruze) de 153 cv e 24,5 kgf.m de torque já a 2.000 giros, sendo que 90% da força chega antes, a 1.500 rotações. O câmbio é automático de seis velocidades e também não conta com borboletas para trocas de marcha. No caso do Chevrolet, as trocas em modo manual podem ser feitas por um botão na alavanca de câmbio.
O Tracker é esperto e, mesmo tendo 13 cv a menos que o Creta e sendo 14 kg mais pesado, o desempenho de ambos é equivalente. A vantagem do Tracker é que por ter mecânica moderna e a adição do turbo, ele é mais econômico e entrega mais e baixos regimes. Sabe aquela história de descer redondo? Então, o motor do Tracker está “redondinho”.
Segundo o Inmetro, o consumo do SUV da Chevrolet é de 10,6 km/l na cidade e 11,7 km/l na estrada, números que de fato conseguimos chegar em nosso teste. O motor, todavia, não é o único ponto importante para um urbano.
Equipamentos com ou sem moderação?
Estar no comando do Creta é prazeroso, por diversos fatores. A posição de guiar é elevada (bem mais que o HR-V, por exemplo) e o motorista conta com ajustes de altura e profundidade do volante, além de muitas possibilidades de regulagem de altura do banco (muitas mesmo!). A direção elétrica é progressiva e bem levinha, e o acerto de suspensão está melhor que o de seu rival Tracker. Embora ambos utilizem McPherson na dianteira e eixo de torção na traseira, o Creta mostrou-se mais equilibrado entre conforto e estabilidade, já que em altas velocidades não sentimos tanta inclinação da carroceria. No exemplar da Chevrolet, a suspensão poderia ser um pouco mais firme e, claro, ele poderia vir equipado com controle de estabilidade e tração como o Creta.
No quesito segurança, aliás, o Creta se destaca pela construção com uso de 33% de aços de ultra resistência, pelo monitoramento de pressão dos pneus e pelos faróis direcionais, que iluminam a direção onde o motorista gira o volante. O Tracker não conta com esses itens, mas em contrapartida possui alerta de ponto cego e de tráfego cruzado (este último avisa da aproximação de um carro ou uma criança na perpendicular quando a ré estiver engatada), além do concierge OnStar, que além de oferecer serviços de conveniência funciona como um rastreador na recuperação do carro em caso de roubo. Tanto o Creta quanto Tracker contam com câmera de ré e seis airbags na versão topo de linha.
O que eles não têm e que faz falta perante a concorrência que reina no topo do ranking de vendas são os freios a disco na traseira – ambos competidores utilizam tambor – , e o freio de estacionamento elétrico. No mais, a lista de “ingredientes” é vasta.
Ao entrar no Creta, confesso que me decepcionei pelo excesso de plásticos duros. Uma faixa em tom marrom texturizada no painel, além de um pequeno revestimento em couro sintético nas portas transmitem algum requinte, mas esperava bem mais. Ao menos os encaixes são perfeitos. Os bancos são em couro marrom e a versão Prestige se diferencia ainda com equipamentos interessantes e inéditos na categoria, como os três níveis de ventilação no banco do motorista e a saída de ar condicionado para os ocupantes do banco de trás.
A versão Prestige, é a única das cinco do Creta, que vem com a central multimídia blueNAV. A tela de 7 polegadas sensível ao toque tem, entre outras funções, GPS integrado e compatibilidade com smartphones iOS e Android. No mínimo estranho saber que a versão 2.0 Pulse, vendida a R$ 92.490, venha apenas com o rádio BlueAudio igual ao do HB20. Não faz sendido.
Voltemos ao comparativo das versões topo de linha. Ambos tem partida por botão, mas ao entrar no Tracker encontrei um habitáculo mais refinado. Embora eu não goste de brilhos e a Chevrolet insista em frisos cromados no painel, a faixa em couro com costura dupla compensou causando uma ótima impressão. O teto solar também foi uma grata surpresa, no exemplar da Hyundai o equipamento não é vendido nem como opcional. No Tracker há bancos em couro com regulagem manual de altura e ajuste elétrico da lombar. O volante conta com comandos de áudio e do controle de cruzeiro, mas o Tracker não possui ar condicionado digital, nem sensor crepuscular como seu rival.
Ele vem equipado com sistema multimídia My Link, tela touchscreen de sete polegadas com compatibilidade com Apple CarPlay e Android Auto. Há apoio de braço para o motorista e porta copos para os ocupantes que vão no banco de trás, mas em espaço ele perde feio para o Creta.
As dimensões são basicamente as mesmas, ambas compactas. O Creta mede 4,27 metros de comprimento, 1,78 m de largura e 2,59 m de entre-eixos. Como ele utiliza a estrutura do sedã médio Elantra, o resultado é um belo espaço interno. Já o Tracker, mede 4,25 m de comprimento, 1,77 m de largura e 2,55 m de entre eixos. Na teoria não parece grande diferença, mas na prática o Creta é mais espaçoso. Se você precisar de um bom porta-malas, então, o Creta poderá te atender com 431 litros de capacidade contra os apenas 306 l do Chevrolet Tracker. Mais um ponto negativo do Tracker é a má visibilidade da janela traseira, no Creta o campo de visão é melhor.
O Tracker passou por um facelift e melhorou muito. Ficou mais encorpado, com um quê moderno e refinado. Impressão causada sobretudo pelos faróis espichados, com luz diurna em LED, e pelas rodas aro 18 polegadas. O Creta é um produto novo, cujo design é absolutamente digerível. Embora bonito, não chega a chamar atenção por onde passa. Se você gosta de discrição, isso pode ser bom. Na versão Prestige, a grade dianteira possui moldura cromada, e ele conta com luzes diurnas em led, faróis com projetor e rodas aro 17”.
Distribuição
O Creta é feito no Brasil e a Hyundai espera vender entre 42.000 e 48.000 carros por ano. Já o Tracker vem do México e depende da limitada cota de veículos. Neste mês, ele emplacou 890 unidades. Confira os dados divulgados pela Fenabrave referentes ao mês de janeiro de 2017:
Desce bem ou dá dor de cabeça?
O Creta tem dinâmica de hatch médio e um esperto 2.0 sob o capô. Além disso, a Hyundai tem feito um belo trabalho em pós venda e oferece cinco anos de garantia. Todavia, o preço está um pouco indigesto. O Tracker tem porte de jipinho, acabamento condizente com o que cobra e um motor eficiente e moderno. O Chevrolet oferece três anos de garantia e revisões a preço fixo.
Em ambos, pontos negativos e positivos acabam sendo compensados, por isso a pontuação ficou tão próxima como vemos abaixo. Se a Hyundai remanejar os pacotes de equipamentos, com uma divisão mais justa entre suas versões, o Creta tem tudo para ganhar a preferência nacional. Nestas configurações, porém, a Chevrolet, entrega um conjunto interessante, unindo mecânica moderna e boa lista de equipamentos, por um preço mais competitivo - R$ 9.590 a menos que o rival da Hyundai. Em épocas de economia difícil, esse "troco" é muito bem-vindo. Com ele, é possível pagar um ano de seguro, as primeiras revisões e até a cervejinha do final de semana, seja ela qual for. O que importa é que temos opções para escolher, mas para o meu paladar, quem desceu melhor foi o Chevrolet Tracker. Cheers!
* A soma total dos quesitos é igual a 60 pontos.