Qual é a melhor Harley-Davidson de todas? Essa é uma pergunta difícil - e talvez impossível - de responder. Tanto quanto escolher "a melhor moto de todas", entre todos os modelos de todas as marcas. Nos dois casos, no fim das contas, a melhor moto é aquela que atenderá de forma mais eficiente às necessidades do comprador - não importa estilo ou cilindrada. Mas, nas fileiras da Harley, não seria equivocado dizer que a Heritage Classic seria uma fortíssima candidata ao posto.
Existem várias razões para isso. As Sportster são mais leves e ágeis, mas têm suspensões duras, pouco conforto e autonomia limitada. As Dyna têm desempenho forte e fazem curvas surpreendentes, mas também são bem menos confortáveis. Outros modelos da família Softail (à qual a Heritage Classic pertence), como Fat Boy e DeLuxe, têm predicados como o design sedutor, mas são menos equipadas e - de novo - confortáveis. Já os modelos da linha Touring, superior, podem oferecer bem mais conforto, mas são mais pesadas e eventualmente menos ágeis e versáteis.
A Heritage Classic, por sua vez, sempre levou nota alta em todos os quesitos - ainda que não fosse particularmente a melhor em nenhum. Sempre estiveram lá o design clássico da marca, o bom nível de conforto, a maneabilidade extremamente satisfatória, a ergonomia bem resolvida e o "recheio" bacana: até hoje vem de fábrica com para-brisa, faróis auxiliares e alforges laterais de couro - e até a geração anterior, também vinha com sissy-bar (encosto para garupa).
A versão atual, que aceleramos nesse test-ride, talvez não seja a mais admirável no aspecto estético em comparação às antecessoras. Mas, dinamicamente, é a melhor Heritage Classic de todos os tempos. E, por isso, é, pelo menos, uma das melhores Harley-Davidson de todos os tempos. Nas fileiras atuais da marca, seu custo-benefício é imbatível.
A nova geração foi lançada em 2018. Junto, trouxe uma mudança visual polêmica. O jeitão completamente clássico deu lugar a alterações que buscaram deixá-la um pouco mais "jovem" - a Harley queria atrair novos compradores para a marca. Cromados deram lugar a acabamentos na cor preta em vários componentes - guidom, garfos dianteiros, rodas e motor, por exemplo. Além disso, o suporte dos piscas traseiros ficou menor, e o mesmo também aconteceu com os quatro piscas.
E mais: surgiram pinturas menos conservadoras, iluminação com LEDs, logotipos modernosos e até acessórios inesperados como uma espécie de "baú porta-malas" traseiro de couro - prático, mas feioso - e uma inexplicável película escura em parte do para-brisa, que ficou inclusive um pouco mais baixo.
Em resumo, a moto ficou mais "malvadona" e menos retrô. Uma aposta polêmica, mas sem dúvida válida. E se a beleza está nos olhos de quem vê, é preciso reparar também que a essência clássica do design não mudou. A boa notícia é que, na linha 2021, algumas antigas características voltaram: escapes e algumas partes do motor ressurgiram cromados e o atual emblema no tanque, com jeitão retrô, é muito bacana.
A nova geração, porém, trouxe aprimoramentos mecânicos inquestionavelmente eficientes. Com chassi e motor totalmente novos, ficou 11 quilos mais leve, e por tabela mais potente e maneável. Na época do lançamento o motor era o já muito bom Milwaukee-Eight 107 (o número alude às polegadas cúbicas, a medida americana de cilindrada, e equivale a 1.745 cm³). Agora, é o ainda mais forçudo Milwaukee-Eight 114 (1.868 cm³) - basicamente só muda a capacidade cúbica, com um pequeno mas perceptível ganho de potência e torque.
Ainda para efeito de comparação, a última versão da geração anterior, com o motor Twin Cam "103" (1.690 cm³), pesava 341 kg em ordem de marcha. A atual, com o Milwaukee-Eight 114 (1.868 cm³), pesa 330 kg.
A atual Harley-Davidson Heritage Classic também traz o painel redesenhado com velocímetro analógico, grafismos clássicos e telinha digital na parte inferior. Ali ficam o indicador do tanque e as funções de hodômetros total e parciais, autonomia e até consumo. Para não dizer que não manteve tradições, as luzes-espia continuam do lado de fora e pouco visíveis sob luz forte, como sempre.
Outras modernidades: foi-se aquele botão giratório de ignição sobre o tanque e veio uma chave presencial de bolso. Basta estar com ela, apertar o “start” no punho direito, ligar a moto e partir.
Os punhos, por sua vez, continuam de material pobre, mas ficaram um pouco menores e dão acesso mais fácil aos botões de farol alto, piscas, corta-corrente e buzina - que, afinal, é "fon-fon" e não "bi-bi": uma mudança importante, pois no trânsito brasileiro os motoristas não reconhecem "fon-fon" como buzina de moto. Por fim, o acionamento dos faróis auxiliares deixou de ser feito naquele botão de abajur que ficava escondido atrás da capa dos garfos e passou para o punho esquerdo.
O banco também mudou, mas para pior: ainda é confortável e anatômico, mas tem menos espuma. Pelo menos a ergonomia da Harley-Davidson Heritage Classic continua elogiável: guidom à meia-altura e pernas levemente esticadas à frete. Perfeito para quem tem de 1,70m a 1,80m. Os novos alforges têm abertura bem mais prática do que os antigos, mas são menos charmosos. Só não dá para entender a perda do sissy-bar como item de série: além de conforto para o garupa, proporcionavam uma harmonia estética que agora inexiste.
Outros pontos a se criticar: as pedaleiras traseiras ainda são do tipo palito - essa moto merecia plataformas de série - e os pneus não vêm mais com bandas brancas, que sempre dão um charme e combinariam com qualquer uma das cinco opções de cores disponíveis: branca e vinho, toda preta, preta com cinza, verde com preta e totalmente vermelha (esta, claro, é a minha preferida). Mas, vamos acelerar...
O motor Milwaukee-Eight 114 é um assombro. Suas respostas são extremamente vigorosas e fazem os antigos Twin Cam 96 e 103 parecerem coisas do século passado. O "107" já era muito bem-disposto, mas aqui estamos em outra dimensão. Há força de sobra em quaisquer faixas de rotações.
Na cidade, a Heritage Classic se vira como pode. Não é seu habitat natural, mas com o domínio que o peso reduzido e a força superior do motor proporcionam, dá para rebolar pelos corredores e, eventualmente, até acompanhar as motos pequenas. Na estrada, contudo, é pura diversão.
Suba as marchas rapidamente, chegue na sexta e curta a viagem. Se no motor "96" a sexta era mero overdrive e no "103" havia uma pequena forcinha que pouco se usava, o "107" já exibia boa disposição e esse "114" na maioria das vezes até dispensa as reduzidas: vire o cabo virtual (a moto tem acelerador eletrônico) e ganhe velocidade instantaneamente.
Mais que boas respostas, a Harley-Davidson Heritage Classic também mostra ótimo equilíbrio nas curvas. A suspensão traseira monochoque (antes era bichoque) evita reboladas e os ótimos pneus Dunlop dão a aderência necessária para podermos brincar sem sustos.
As pedaleiras do piloto, agora um pouco mais altas, só raspam se o piloto abusar muito. As frenagens, por sua vez, são apenas corretas e não impressionam. Em minhas andanças com essa Heritage Classic, anotei um consumo bastante razoável: 19,6km/l - similar à das versões e gerações anteriores (porém, vale destacar, com mais leveza e mais força).
Ou seja, a Heritage Classic ainda oferece um excelente conjunto - se não o melhor, certamente um dos mais satisfatórios entre as Harley-Davidson vendidas atualmente no Brasil. O que pega, mesmo, é a estratégia comercial recente da Harley de reforçar sua aura de marca "premium" com preços fora da casinha. Por isso, e devido ao dólar alto, a Heritage Classic custa, hoje, entre R$ 103.775 e R$ 105.605.
Harley-Davidson Heritage Classic 114
Preços: de R$ 103.775 a R$ 105.605
Motor: dois cilindros em V, injetado, refrigerado a água, quatro válvulas por cilindro, 1.868 cm³, torque de 16,1 kgf.m a 3.000rpm e potência estimada de 90cv
Transmissão: câmbio de seis marchas com secundária por correia
Suspensões: garfos telescópicos na frente e monochoque atrás
Freios: a disco simples na frente e atrás, com ABS
Pneus: 130/90 R16 na frente e 150/80 R16 atrás
Dimensões: 2,41 m de comprimento, 1,63 m de entre-eixos, 68 cm de altura do banco e 12 cm de vão livre
Pesos: 330 kg em ordem de marcha
Tanque: 18,9 litros
Consumo: 19,6 km/l (cidade/estrada) - medição verificada no nosso teste.