A primeira vez em que andei com a Harley-Davidson Low Rider S foi no final de 2019, quando do lançamento da moto em San Diego, na Califórnia. Foi uma experiência divertida e a moto impressionou.
Mas sempre é importante lembrarmos que experimentações em lançamentos são um tanto controladas e os roteiros, pensados para o uso mais favorável e cômodo da moto. Era preciso, então, uma segunda chance - e a moto veio para usarmos no dia a dia do mundo real, como faz a maioria dos compradores (ou candidatos a) da moto.
Aproveitamos o ensejo, também, para experimentar a moto que agora ocupa o posto de mais barata da linha Harley-Davidson no Brasil. Mais barata não quer dizer exatamente acessível: o preço de R$ 90.500 é para poucos. Então, aqui vamos responder à pergunta mais importante: será que essa moto vale isso tudo? Sigamos...
A Harley-Davidson já teve uma Low Rider em suas fileiras. Mas era da família Dyna, com outro chassi e motor - o Twin Cam 96, de 1.584 cm³. A moto era bonitinha, mas nunca foi uma best-seller. No Brasil, passou quase em branco.
O tempo passou, a linha Dyna foi extinta e o nome ressurgiu em um novo modelo da família Softail, que sempre foi um degrau acima da Dyna. Neste modelo atual, bota superior nisso. Estamos em uma moto muito mais bonita e moderna. E o sobrenome "S", de sport, está ali para lembrar que a pegada aqui é outra. Nada de contemplação: aqui, é cabo enrolado.
Esta Harley-Davidson Low Rider S tem o mesmo conjunto com chassi leve e rígido e a mesma suspensão traseira monochoque de best-sellers como Fat Boy ou Heritage Classic, entre outras. Mas, ao contrário destas, o estilo é jovem, despojado e meio "malvado", remete às motos usadas na série “Sons of Anarchy”, sobre uma gangue de motoqueiros, que fez sucesso uns anos atrás.
É moto para atrair um público mais jovem, que não compra os modelos mais clássicos da marca. Para isso, tem guidom baixo e estreito, para-lama dianteiro curtinho, para-lama traseiro bem arredondado com lanterna protuberante (e bem vulnerável a choques), escapes com protetores de calor em preto fosco e moldura de farol - que, na parte interna, exibe um acabamento plástico que poderia ser mais caprichado.
Nossa Low Rider S ainda tem uma linda pintura preta com o nome “Harley-Davidson” pintado no tanque em letras douradas e vazadas, e detalhes na mesma cor também nas belas rodas de liga leve e na tampa do filtro. A outra opção à venda no Brasil tem com cor predominante vermelha bem escura, com os mesmos acabamentos dourados. Uma lindeza!
Outro sintoma de que estamos em uma Low Rider anos-luz à frente da antiga é a iluminação toda em LEDs. Mas o painel nos faz voltar no tempo: já vimos antes o conjunto com dois mostradores posicionados sobre o tanque, e as luzes-espia são invisíveis sob sol forte. Por fim, vale lembrar que pedaleiras e banco do garupa não são itens de série nessa moto "egoísta".
O motor é o Milwaukee-Eight 114. Tem dois cilindros em V, 1.868 cm³, forçudos 16 kgf.m de torque e cerca de 90 cv de potência (a Harley-Davidson não divulga as potências dos motores). Tudo gerenciado por um câmbio de seis marchas, com secundária por correia como manda o clássico figurino H-D.
Primeira, segunda, terceira, quarta, quinta. Até na sexta marcha a Low Rider S entrega muita força e mostra torque de sobra. As trocas de marcha em pistas livres são praticamente desnecessárias, e só acontecem nas reduções de velocidade muito severas. As respostas ao acelerador são imediatas, e o motor está cheio o tempo todo. Uma diversão!
Apesar de ser uma custom, a Low Rider S também surpreende nos trechos sinuosos. Apoiada em ótimas suspensões dianteiras invertidas fornecidas pela japonesa Showa, a moto ataca as curvas sem dar sustos.
Um dos segredos está no ângulo de cáster de 28° (ou seja, a frente é mais "em pé" que em algumas outras Harley) e no entre-eixos proporcionalmente curto, de 1,61 m para os 2,33 m de comprimento. Assim, podemos inclinar bastante - e o que é melhor, sem arrastar pedaleiras o tempo todo, como acontece com outras H-Ds.
O guidom estreito pede apenas pequenos esterços para promover amplas mudanças de trajetória, e aí temos uma agilidade semelhante à que víamos na bem menor e mais leve Sportster Iron 883 (que já saiu de linha). A boa maneabilidade também é sentida no trânsito urbano, mas eventualmente a Low Rider S fica presa nos congestionamentos - não existe milagre. Por fim, vale destacar a excelente frenagem da moto em quaisquer circunstâncias.
Mas nada é perfeito e a Low Rider S está longe disso. Embora tenha mais aspectos positivos do que negativos, estes estão lá na forma de uma posição de pilotagem pouco confortável - o banco é até satisfatório e o piloto não escorrega nele, mas o guidom lá na frente não conversa com as pedaleiras recuadas.
Ou seja, temos aqui mais uma Harley-Davidson que - principalmente para pilotos de baixa estatura - exigirá um guidom "meio-seca" ou comandos avançados para oferecer uma posição de pilotagem realmente agradável.
Na configuração original, a Low Rider S se torna adequada apenas a tiros curtos e médios - ainda mais com a adrenalina que proporciona. Outro ponto a melhorar: é preciso desviar a atenção da estrada para consultar o painel de instrumentos, que está bem abaixo da linha dos olhos.
Depende. A Low Rider S é uma moto para uso bastante específico. Se o caro leitor busca um modelo com "pegada", criada para passeios e viagens solo com muita adrenalina e estilo "malvadão", esta é a moto certa - ainda que o preço esteja fora da curva, como acontece com todas as Harley-Davidson no Brasil na linha 2021. Mas se a ideia é viajar calmamente com garupa e bagagem, melhor pesquisar outras opções.