As estradas da Golden Coast parecem ter sido criadas para motociclistas. Tive a sorte de conhecê-las há alguns anos em cima de uma moto e, por isso, nunca mais consegui dissociar as duas coisas. Foi justamente para este lugar que a Royal Enfield me levou para testar suas novas motos bicilíndricas de 650cc, a ensolarada Califórnia. Ok, nos dias que estivemos lá, ela não estava tão ensolarada assim, mas quem liga para o sol quando você tem estradas incríveis e duas clássicas modernas para pilotar?
As novas Continental GT e Interceptor chegaram para elevar a Royal Enfield, montadora de origem inglesa que pertence ao grupo indiano Eicher Motors, a um outro patamar sem perder sua essência. A premissa da empresa é entregar aos clientes motocicletas e diversão, no sentido mais puro e simples dessas duas palavras. E a combinação foi perfeita: lugares memoráveis, motos divertidas, instrutores sem frescura - leia, sem limite de velocidade -, e risadas garantidas, como verdadeiro rolê na Califórnia merece ser.
Este evento de lançamento é daqueles que vai ficar para a história, da RE e dos 111 jornalistas do mundo todo que estiveram presentes. Trata-se do primeiro produto global da marca, pensado para atender a um público órfão de clássicas de média cilindrada. Essas motos são também fruto de um investimento pesado em pesquisa e desenvolvimento, novas tecnologias, um novo Centro Técnico no Reino Unido e um time de funcionários de diversas partes do mundo. Foram quatro anos de desenvolvimento, com participação de nomes como Simon Warburton, ex-Triumph, e o fera do design industrial e diretor de estratégia de produto, Mark Wells. Não à toa, o CEO Siddhartha Lal, colocou a Royal em um estágio de crescimento estratosférico.
Pensem que ano de 2010 a RE vendeu 51 mil motocicletas. Hoje, ela vende 820 mil por ano e é a maior fabricante mundial de motocicletas de média cilindrada. Se quiser conhecer mais a história da empresa, clique aqui.
Mesmo com números de dar inveja a fabricantes tradicionais e embora os produtos tenham evoluído ao longo dos anos, o line up deles baseava-se em variações da Bullet 500 – exceto pela Himalayan, de 411cc, que foi minha parceira na expedição que fiz na Índia. Agora não mais.
Os nomes das motocicletas não são novidade. A Interceptor fez muito sucesso nos Estados Unidos na década de 1960 equipada também com um bicilíndrico, enquanto a Continental GT leva o mesmo nome do modelo vendido atualmente no Brasil, equipada com um monocilíndrico de 535 cm³. Em ambos os casos, de antigo restou só o nome e o visual, os novos modelos foram criados do zero.
Mais de 3 mil modelos pré-série foram fabricados e os testes duraram dois anos até chegarmos aos produtos que conhecemos nos Estados Unidos. Como eu já previa, estes indianos não estão para brincadeiras,.
Comecei o ride com a Continental GT 650, uma moto no estilo cafe racer. Antes de ligá-la, me surpreendi com a evolução na qualidade de acabamento. Ao dar a partida e rodar os primeiros metros a surpresa foi a cliclística aparentemente bem acertada e a ausência de vibrações do motor. Impossível segurar aquele sorriso no rosto sob o capacete e pensar: que evolução! A Classic, a Bullet e a Continental GT vendidas no Brasil tem lá seu charme e sua proposta, mas essas novas...
O motor de 648cc SOHC conta com dois cilindros paralelos com refrigeração mista, a ar e um pequeno radiador de óleo. Alimentado por injeção eletrônica de combustível, ele entrega 47 cv de potência máxima a 7.100 rpm e torque máximo de 5,3 kgf.m a 4.000 rpm. Segundo a marca, o virabrequim com ignição de 270° ajudou a melhorar o aproveitamento de torque, 80% já está disponível aos 2.000 giros. O motor é bem progressivo e me chamou atenção sua resposta. Mesmo em sexta marcha, se você girar o manete do acelerador ele ressuscita. Sexta marcha? Isso mesmo, uma novidade é o câmbio de seis marchas pela primeira vez em uma moto da marca, com embreagem assistida. Seu acionamento é macio e as marchas entram corretamente, sem stress.
Respondendo à pergunta da maioria das pessoas que me seguem nas redes sociais e assistiram meus stories no Instagram: o motor não vibra como o monocilíndrico da marca - por razões óbvias, já que são dois cilindros em vez de um só -, mas para minimizar ainda mais a vibração, a RE optou por utilizar um eixo balanceiro no conjunto.
Tanto a Continental GT quanto a Interceptor compartilham quadro, motor, câmbio, escapamento, rodas e freios. O chassi de berço duplo foi desenvolvido em parceria com a marca inglesa Harris Performance, as rodas são raiadas em alumínio de 18 polegadas, os pneus são Pirelli Phantom SportsCompas e os freios têm disco flutuante de 320 mm na dianteira e um disco fixo de 240 mm na traseira com pinças ByBre, uma divisão mais acessível da Brembo. Seguindo a legislação, ela será oferecida com ABS, no caso, este é de dois canais da Bosch.
Nas curvas da floresta de Redwoods pudemos testar a eficiência das suspensões, curva a curva, em um ride insano. Tão insano que quando paramos fui elogiar a pilotagem do instrutor que liderava nosso grupo. Quando ele me falou era piloto do TT da Ilha de Man, entendi tudo.
Na dianteira os modelos utilizam um garfo telescópico convencional com tubos de 43 mm, sem ajuste, enquanto na traseira há amortecedores duplos a gás, com cinco posições de regulagem na pré-carga da mola. O acerto das suspensões é um dos pontos que diferem os dois modelos, além do tanque (ambos com capacidade para 13,7 litros), guidão e posição das pedaleiras.
Os 198 kg de peso seco na Continental e 202 kg na Interceptor não prejudicaram a ciclística, digna de elogios em ambos os modelos. Na Continental GT, o assento é pouca coisa mais baixo e o piloto vai com a coluna mais inclinada para frente, enquanto na Interceptor a postura do piloto é mais ereta e confortável.
No dia seguinte rodamos com a Interceptor, que deve arrancar suspiros de quem curte uma naked clássica. Olhando rapidamente, ela lembra sua concorrente Triumph Bonneville. O design é simples, bonito, com alguns cromados e o comportamento da moto surpreendeu tanto quanto a Continental GT.
Concluindo, as Twins são motocicletas legais demais e representam uma nova era na RE com uma receita que levou como ingrediente principal o equilíbrio. Um ótimo conjunto de motor, câmbio e suspensão, dinâmica acertadíssima, acabamento honesto e preço agressivo, pelo menos nos EUA, onde partem dos US$ 5.799 -pouco mais de R$ 22 mil em conversão direta.
Para não encarecer a moto, não há em nenhum dos dois modelos controle de tração, faróis e lanternas em LED ou ajustes eletrônicos, como modos de pilotagem. O acabamento, embora esteja muito melhor, não chega a ser primoroso. Como explicou Mark Wells, tudo tem um preço e qualquer mudança nesse sentido encareceria mais o projeto.
Estimamos que elas sejam vendidas abaixo dos R$ 30 mil quando chegarem ao Brasil, se tudo der certo, em meados de 2019. Digo isso, pois segundo o site indiano Car and Bike, os modelos estão com fila de espera de três meses na Índia, onde começaram a ser fabricadas neste semestre.
Enquanto elas não chegam, vou pensando qual das duas eu escolheria para colocar na minha garagem. Está difícil decidir...