A novas medidas definidas para reduzir o impacto da Covid-19 na F1 serão conhecidas, mesmo, na reunião de suas lideranças marcada para a semana que vem. Mas, nesta quinta-feira (16), a videoconferência entre os representantes das dez equipes, Chase Carey e Ross Brawn, da Formula One Management (FOM), e Jean Todt, Federação Internacional de Automobilismo (FIA), deu as diretrizes do que vem por aí.
Como os responsáveis pelas equipes já viram que vão receber muito menos dinheiro da FOM, este ano e em 2021 - bem como é possível que os seus contratos de patrocínios sejam revistos, diante da redução da atividade econômica mundial -, não foi preciso nenhuma guerra para convencê-los da necessidade, iminente, de reduzir os custos de disputar a competição.
Essa foi a principal pauta do encontro: estabelecer um valor máximo de investimento por ano para as equipes. As três de maiores recursos, Ferrari, Mercedes e Red Bull, não querem diminuir mais do pré-acordado ontem, US$ 145 milhões - R$ 725 milhões - em 2021, e US$ 130 milhões - R$ 650 milhões -, em 2022.
Argumentam, por exemplo, que por terem um número maior de integrantes serão obrigados a dispensar mais gente dos que gastam menos.
E tanto Mattia Binotto, da Ferrari, quanto Toto Wolff, Mercedes, explicaram que seus times têm uma seção na fábrica destinada apenas à produção de componentes e assistência às escuderias clientes.
As duas fornecem unidade motriz, ou motor, transmissão, sistema hidráulico, suspensão traseira, dentre outros. A Ferrari atende a Haas e a Alfa Romeo. A Mercedes, a Racing Point e a Williams.
Eles querem, com razão, que o gasto com esse trabalho para os clientes não faça parte do seu limite orçamentário. É provável que sejam atendidos. O que não entrará na conta é o valor gasto pelas equipes para pagar seus pilotos, a três dos principais diretores e as despesas com marketing.
Tomemos o exemplo da Mercedes. Lewis Hamilton deverá renovar o contrato para os próximos dois anos. Segundo se comenta no paddock - provavelmente o valor é esse mesmo –, o piloto pede 50 milhões de libras, R$ 300 milhões, por temporada, enquanto Wolff propõe o mesmo valor do contrato atual, 40 milhões de libras, R$ 240 milhões.
É provável que Hamilton já entendeu que o melhor a fazer é aceitar logo a proposta. Pode ser que a Mercedes, de repente, até reduza o valor, já que bem menos dinheiro chegará as suas mãos em 2021.
O outro piloto, Valtteri Bottas, recebe 8 milhões de libras, R$ 48 milhões, por ano. Se Wolff decidir mantê-lo na Mercedes em 2021, as bases serão possivelmente as mesmas. Se optar por George Russell, da sua academia, hoje na Williams, pagará até menos.
Os três diretores que mais ganham na Mercedes são: Wolff, sócio e diretor geral, 10 milhões de libras, R$ 60 milhões; James Allison, diretor técnico, 4 milhões de libras, R$ 24 milhões; e Andy Cowell, diretor da divisão de unidades motrizes, 1 milhão de libras, R$ 6 milhões. Tudo isso por ano.
A área de marketing deverá investir bem menos nos próximos dois anos. Aqui o valor é especulativo. Mas faz sentido acreditarmos que, em tempo de crise séria, como agora, não deverá ultrapassar 1,2 milhão de libras, R$ 7,2 milhões, por ano, média de 100 mil libras, R$ 600 mil, por mês.
Vamos fazer contas? Com pilotos, em 2021, a Mercedes vai gastar algo como 48 milhões de libras, R$ 288 milhões. Com seus três diretores mais bem pagos, 15 milhões de libras, R$ 90 milhões, e com marketing, 1,2 milhão de libras. Total de 64,2 milhões de libras, R$ 385 milhões.
Como o limite orçamentário está sendo definido em dólar, esses 64,2 milhões de libras destinados a pilotos, diretores e marketing correspondem a US$ 80 milhões. Vamos somar esse valor ao máximo permitido às equipes em 2021: US$ 145 milhões. O orçamento da Mercedes em 2021 será algo perto de US$ 225 milhões, R$ 1,1 bilhão.
Isso corresponde a cerca de US$ 100 milhões, R$ 500 milhões, a menos do que a equipe alemã investiu em 2019 para conquistar seu sexto título seguido de pilotos e de construtores.
Ainda assim, é muito dinheiro para os dias de hoje. É por isso que as demais sete escuderias vão tentar uma última cartada, na reunião da semana que vem, para reduzir o limite orçamentário de 2021 para US$ 125 milhões e o de 2022, para US$ 100 milhões.
Considerando-se a conhecida ojeriza dos ricos da F1 para discutir redução de custos, a aceitação de um teto de investimento, já para o ano que vem, representa uma mudança histórica de postura.
Para seu conhecimento, escuderias como Williams, Haas e Alfa Romeo têm orçamento anual na casa dos US$ 100 milhões - equivalente a quanto Mercedes, Ferrari e Red Bull vão agora economizar.
Mas de novo pressionados pelo repasse menor da FOM, Mercedes, Ferrari e Red Bull, não por coincidência as únicas equipes que venceram corridas nos últimos seis anos na F1, também concordaram em discutir uma limitação de desenvolvimento dos carros.
Já foi definido que a FIA vai homologar a versão dos carros que as equipes levarem para a etapa de abertura do campeonato deste ano. O conjunto mecânico não poderá ser modificado até o fim da temporada de 2021.
Você entendeu certo, a base mecânica será a mesma para este ano e o de 2021. A partir de 2022 estreia o novo regulamento, da chamada nova F1, com diferenças grandes em todas as áreas.
Este ano e em 2021 só será permitido desenvolver o conjunto aerodinâmico, formado por aerofólios, assoalho, difusor, defletores e carenagem de modo geral.
A novidade é que até os três ricos viram com bons olhos a ideia de os melhores classificados entre os construtores, este ano, provavelmente eles próprios, terem menor liberdade para introduzir novos componentes do conjunto aerodinâmico em 2021.
Na prática, suponha que a Mercedes seja a campeã, este ano – não é preciso muito desprendimento para o exercício -, e a Williams, a última – vale o mesmo. Nesse arranjo, os técnicos, sob a coordenação de Doug McKiernan, na Williams, poderiam ao longo da temporada de 2021 rever bem mais elementos do conjunto aerodinâmico que os liderados por James Allison, da Mercedes.
Existe uma boa possibilidade de essa regra ser confirmada e regulamentada no próximo encontro das lideranças da F1.
O encontro de ontem evidenciou que tanto o principal dirigente da FOM, Carey, como da FIA, Todt, têm conversado regularmente com os diretores das equipes. As discussões dos temas da reunião partiram já de avanços prévios da sua aceitação. É por essa razão que participantes da videoconferência a definiram como “positiva e construtiva”.
Nunca é demais lembrar que antes da Páscoa houve uma reunião que debateu a mesma diretriz, principalmente, como gastar menos para disputar a F1.
Na saída daquele encontro, Ross Brawn afirmou que a F1 estava tendo uma chance histórica de rever sua filosofia de não se importar com a necessidade de diminuir substancialmente seus custos.
E antes da reunião de ontem o emergente diretor da McLaren, Andreas Seidl, enveredou pelo mesmo caminho: “Oportunidade única para a F1”.
O que nem todos os fãs da F1 entenderam bem até agora é que o Acordo da Concórdia termina no fim do ano. É a constituição da F1.
Esse contrato mútuo estabelece tudo do evento, a exemplo do critério de distribuição do dinheiro entre as equipes, pela FOM, como os regulamentos são definidos, os direitos e as obrigações de todas as vertentes da competição: equipes, os donos dos direitos comerciais, o grupo americano Liberty Media, através da FOM, e a FIA.
A F1 tem uma oportunidade de ouro para inserir em sua nova constituição algumas dessas medidas destinadas a conter suas despesas para enfrentar a crise do coronavírus. E, assim, perpetuá-las.
Agora uma experiência pessoal. Já ouvi de Ross Brawn em mais de uma ocasião: “Você acha que o fã da F1 vai se sentir atingido se os carros forem, digamos, dois segundos mais lentos, se, ao mesmo tempo, nós lhe oferecermos corridas muito mais disputadas, vários pilotos terem chances de vencer? E isso só será possível se não houver diferenças brutais de orçamento como hoje.”
Mais de Brawn: “As equipes têm de ser autossustentáveis. Não precisarem recorrer a recursos de seus donos. E hoje nem as campeãs conseguem. Não faz sentido”.
Era uma clara alusão a Mercedes. Apesar de receber o maior prêmio da FOM, pela conquista do Mundial de Construtores, na casa dos US$ 100 milhões, mais o valor pela importância histórica, e ter patrocinadores - como a Petronas, que colocam bom dinheiro da escuderia, US$ 50 milhões, R$ 250 milhões, todo ano -, a montadora alemã é obrigada a destinar uma verba para fechar a conta.
É bem verdade que a exposição da marca, associada ao sucesso em nível mundial, agrega um valor que supera milhares de vezes o valor investido para a equipe não ficar no vermelho. Mas, como disse Brawn, os times têm de viver do que a F1 gera e lhes é repassado.
Se a nova constituição da F1 - como mencionado, a entrar em vigor já no ano que vem - estabelecer limite orçamentário nas bases do que se está discutindo hoje, ainda que sejam elevadas, representam já um passo à frente em relação à realidade atual. Cada um investe quanto bem entender.
É por isso, essencialmente, que há anos existe na F1 o primeiro pelotão, de Mercedes, Ferrari e Red Bull, e o segundo, destinado aos demais. Sendo que até neste ainda há subdivisões, muito em função da mesma forma de diferenças de orçamentos.
O teto de investimento de US$ 145 milhões em 2021 e US$ 130 milhões em 2022 não deixa de lançar uma luz a uma possível redução de diferença de performance, a médio prazo, entre as equipes, hoje inexistente.
Por fim, os representantes das equipes, apesar de não considerarem o ideal, concordaram ontem em dar a largada no campeonato com corridas sem público nas arquibancadas. E gostaram também da ideia de haver dois GPs no Circuito de Silverstone - a sede da maioria das equipes ser na Inglaterra.
FOM e FIA apenas aguardam os governos das nações inseridas no calendário relaxarem um pouco o isolamento social para discutir com os promotores de GPs novas datas para as corridas. Na realidade já estão alinhavadas.
E a FOM está disposta a concessões, como cobrar valores bem abaixo do normal para um país ter mais de um GP, caso inglês.
Só recordando, as autoridades austríacas já manifestaram sua aprovação a um GP sem torcida em Spielberg, de 3 a 5 de julho. FOM e FIA estudam um novo calendário a partir dessa data, hoje com boas chances de receber a abertura da 71ª temporada da história da F1.