Hoje um dos carros mais queridos e desejados por fãs de muscle cars - e fabricado no Brasil - é assunto da coluna. Falamos do Ford Maverick, um esportivo de porte médio nascido nos Estados Unidos que chegou a ser produzido por aqui e até foi chamado de "Mustang nacional" pela semelhança com o clássico modelo norte-americano.
"Muscle Culture" é a coluna de André Deliberato (@andredeliberato no Twitter e no Instagram) no WM1, portal de notícias da Webmotors, que traz curiosidades e informações sobre uma das mais tradicionais filosofias norte-americanas dos anos 1960 e 1970.
A história começa em abril de 1969, exatos 52 anos atrás, nos Estados Unidos, local de origem do Maverick. Seu projeto nasceu com um só objetivo: combater a invasão de carros europeus e japoneses no mercado americano, principalmente o Volkswagen Fusca, que era popular - por isso muitos executivos da Ford, à época, chegaram a chamar o Maveco de projeto "anti-Fusca".
Para quem gosta de datas exatas, anote aí: foi no dia 17 de abril de 1969 que rolou sua apresentação. "Mas como assim 'anti-Fusca' se o Maverick era um cupê muito maior que o rival?" Essa é a pergunta que mais costumo ouvir quando sua história entra em pauta. A resposta está no custo: o modelo da Ford era um carro de manutenção simples e barata e fácil de manobrar, assim como o carro alemão.
"Mustang nacional" foi algo que surgiu justamente devido à aparência mais esportiva inspirada no irmão mais velho - e que também fez muito mais sucesso. A ideia, segundo a Ford, era fazê-los parecidos para facilitar a identificação da empresa. Mas a proposta do Maveco era muito mais simples: seu objetivo era ser prático, familiar, moderno e econômico.
Algumas histórias de bastidores afirmam que o nome surgiu de um advogado fazendeiro do Texas, chamado Samuel Maverick. A lenda - que não é desmentida pela Ford norte-americana - diz que Maverick não tinha costume de marcar seus gados com ferro quente, então por conta disso qualquer boi não marcado que aparecesse perdido em estradas ficava conhecido como animal de "Maverick".
A Ford, então, teria feito uma homenagem ao fazendeiro. É por isso, segundo declarações de alguns fãs do modelo em fóruns especializados, que vemos no emblema americano a representação do chifre de um touro na insígnia do carro, em referência ao estado do Texas.
Feito com base na plataforma do Falcon, o Maverick veio ao mundo em 1969. Era um cupê médio, menor que o Mustang (que também era médio, algo parecido com o que hoje podemos ver com a dupla Honda Civic e City, por exemplo) e que tinha padrão clássico de pony car: motor dianteiro, tração traseira, muita potência e espaço para duas pessoas. Chegou pelo valor de US$ 1.995 dólares.
O motor do Maverick em 1969 era de seis cilindros em linha, de 2,8 ou 3,3 litros, movido a gasolina - o mesmo que equipava o Rural desde os anos 1930, herança da Willys Overland. A Ford o anunciava, na ocasião, como um carro ideal para solteiros, jovens casais ou até como segundo carro da casa - para quem já tivesse um Mustang, por exemplo.
Em 1970 a brincadeira começou a ficar mais divertida. Nesse ano que o cupê estreou uma versão ainda mais potente do motor 6-cil - de 4,1 litros, 98 cv e 25,3 kgf.m de torque -, com acabamento interno mais esportivo, teto revestido em vinil, rodas com detalhes cromados e painel traseiro pintado de preto. Já em 1971, o carro finalmente ganhava motor V8 de 302 polegadas cúbicas.
Era o Maverick GT.
O Maveco mais desejado no Brasil pelos fãs do automóvel, pode ter certeza, é o GT com motor V8. Ele surgiu quando o Dodge Dart já fazia sucesso com seu V8 de 318 cv - ele era concorrente direto do Ford Galaxie, que tinha potência mais baixa, mas era muito mais caro pelo luxo oferecido à bordo.
Foi por esse motivo que a Ford decidiu aplicar um motor maior ao Maverick, para fazer frente também aos muscle cars da Dodge - e não mais só ao Fusca, que ainda vendia muito. O V8 chegou com capacidade de 302 polegadas e 199 cv (bruta), mas também recebeu uma versão maior, com 4.950 cilindradas. O câmbio era manual de quatro marchas, para delírio dos puristas.
Com esse conjunto, acelerava de 0 à 100 km/h era cerca de 11 segundos. Visualmente, ganhava faróis auxiliares, bancos individuais com posição mais baixa, conta-giros sobrepostos à coluna de direção e rodas aro 14". Quem precisava de mais espaço e ainda não conseguia chegar à grana do Mustang teve que esperar mais cinco meses até o lançamento da versão sedã com quatro portas.
Como citado, a primeira missão do Maverick nos EUA foi brigar com o Fusca. No Brasil esta tarefa não foi dele, mas do Corcel. Por aqui, o Maverick veio para enfrentar o Opala. A Ford tinha dois modelos: o primeiro Corcel e o Galaxie, bem mais luxuoso. Havia, portanto, um espaço a ser preenchido entre os dois. Foi exatamente nessa faixa de mercado que o Maverick entrou.
Para fazer o lançamento, a Ford preparou uma pré-apresentação do modelo no Salão do Automóvel de São Paulo em 1972, mas suas vendas só começaram a acontecer em 1973. Com sua chegada, dois veículos que já começavam a se tornar ultrapassados - e que eram emplacados pela Ford - saíram de linha. O Maveco aposentou Aero-Willys e Itamaraty (versão mais luxuosa do Aero).
Mas isso não aconteceu sem estudos. Ainda no começo da década, quando o carro já fazia sucesso nos EUA, a empresa realizou uma "clínica" com muitos consumidores para testar sua aceitação. Na ocasião, segundo fontes, a marca expôs alguns carros brancos, todos sem identificação. Os veículos na ocasião eram um Chevrolet Opala, o Corcel, um Ford Taunus alemão, um Fordd Cortina britânico e, claro, o Maverick americano.
Importante destacar que os compradores daquela época já demonstravam certo gosto por carros europeus - o Corcel, por exemplo, era um projeto elaborado a partir do Renault 12, feito no Velho Continente. Ao final, o Taunus foi escolhido e isso trouxe alguns problemas para a Ford.
Só que o tempo era curto, a Ford queria usar o máximo de componentes do velho Aero-Willys e o Taunus europeu exigia um motor que só ficaria pronto em 1975 depois da conclusão das obras de uma outra fábrica. Resumo da história: sua produção ficou inviável e a decisão da empresa foi deixar a clínica de lado e lançar o Maverick. Os objetivos econômicos da marca falaram mais alto.
Para completar a história do modelo no Brasil, uma curiosidade: a versão GT nacional usava motor importado. Nessa configuração, o capô utilizava presilhas que o prendiam à carroceria porque em alguns testes ele chegou a abrir, tamanho o desempenho conquistado pelo carro, que conseguia chegar a (naquela época, excelentes) 178 km/h.
O Maveco ia muito bem até a crise do petróleo acontecer, entre 1973 e 1974. Depois desse biênio, o valor do combustível cresceu exponencialmente e a Ford decidiu voltar a utilizar motores de seis cilindros. Foi justamente nessa época que o carro ganhou a fama de "beberrão". Segundo os clientes, o modelo "andava como um quatro-cilindros, mas bebia como V8".
O ano de 1975 chegou e o motor que atrasou e barrou a chegada do Taunus começou a ser feito na inédita fábrica de Taubaté (SP). Era um quatro-cilindros com comando de válvulas no cabeçote de 2,3 litros e correia dentada. De fato, chegou em boa hora, pois era mais eficiente que o antigo 6-cil e fazia o carro ser mais rápido no 0-100 km/h e chegar a 155 km/h - eram 99 cv e 16.9 kgf.m.
Nos Estados Unidos, o Maverick se aposentou em 1977, mas por aqui a Ford apresentou naquele mesmo ano uma espécie de facelift de meia vida do modelo, com algumas (leves) alterações visuais, novo interior e inéditas grade dianteira e lanternas. Além disso, recebia na ocasião sistema de freios melhorado, bitola mais larga e suspensão reformulada.
Neste mesmo ano, a Ford lançou uma configuração topo de linha, chamada LDO, com acabamento mais refinado e apenas um opcional: uma caixa de câmbio automática de quatro marchas com acionamento no assoalho. O motor era o V8 da versão GT. As outras versões ainda movidas pelo 2.3 de quatro cilindros.
Já o Maverick GT recebeu modificações mais severas, como o capô da versão norte-americano de 1971, duas entradas de ar e até a possibilidade de ser equipado com o motor 2.3. Tudo ia bem até 1978, quando a Ford apresentou o Corcel 2, muito mais econômico e disponível com motor 1.6 e câmbio de cinco marchas, algo que logo caiu nas graças do consumidor brasileiro.
A produção do Maveco no Brasil foi encerrada em abril de 1979, exatamente 10 anos depois do surgimento do carro nos Estados Unidos, com aproximadamente 10,5 mil unidades fabricadas da versão GT, 85 mil cupês e 12 mil sedãs. Em uma busca pela Webmotors, porém, podemos notar que os Maverick que existem são disputados no mercado de carros clássicos.
Mas se você é fã do nome, pode já preparar o bolso. O Maverick vai voltar, muito em breve. Agora, ele - ou melhor, ela - será uma picape de porte médio-compacto que vai ser lançada e vendida por aqui para rivalizar com a Fiat Toro, seu novo desafio. Nos anos 1960 o Maverick surgiu para combater o Fusca lá fora e o Opala por aqui. Agora, na década de 2021, volta para bater uma picape.
Com informações de "Maverick73.com.br", "Autopapo" e "Best Cars Web Site"