Imagine a situação. Um típico cidadão classe média do meio-oeste dos Estados Unidos desperta de um coma de 40 anos. Apaixonado por automóveis, ele vai tentar se inteirar das novidades do mundo automotivo. Porém, aos poucos, acha que ainda está em um pesadelo, sem entender os grupos automotivos que existem hoje em dia.
Fiat e Peugeot juntas e donas da Chrysler? As francesas compraram a Opel? Renault e Nissan fazem carros iguais? Jaguar e Land Rover controladas por uma montadora da Índia? A Volvo sob tutela de uma empresa chinesa? E onde está Pontiac??? Pois é, será parecido com aquele personagem do Jô Soares que falava “Me tira o tubo!!!”, nos anos 1980.
Mas, calma. Vamos explicar ao nosso caro convalescente como as coisas funcionam no mundo das quatro rodas hoje. Os grupos automotivos que se formaram e alianças feitas, além da reestruturação pela qual passaram alguns tradicionais fabricantes para sobreviver - e as parcerias fundamentais para enxugar custos.
Em janeiro, dois grandes conglomerados do setor juntaram as escovas de dentes e formaram o quarto maior grupo automotivo do mundo. A fusão entre FCA - Fiat Chrysler Automóveis e Grupo PSA resultou em uma empresa com mais de 15 marcas diferentes do universo automotivo.
Só de automóveis, são 13 emblemas que a Stellantis reúne atualmente: Abarth, Alfa Romeo, Chrysler, Dodge, Fiat, Jeep, Lancia e Ram do lado FCA; Citroën, DS, Opel, Peugeot e Vauxhall, do lado francês. Sem contar as divisões, como Fiat Professional, Mopar, Peugeot Sport e Opel Performance - a fusão, contudo, já fez sua primeira vítima, a SRT, que era o braço esportivo da Chrysler.
Para chegar à esta forma gigante, é bom entender um pouco da trajetória dos dois grupos que resultaram na Stellantis:
Depois de passar pelas mãos da Daimler (dona da Mercedes-Benz) e atravessar a duras penas a crise de 2008, a Chrysler iniciou uma parceria com o Grupo Fiat no início dos anos 2010. O primeiro produto foi o Freemont, a versão da marca italiana do SUV Dodge Journey. Era só o prenúncio da FCA, um dos maiores grupos automotivos do mundo.
Na prática, a Fiat comprou o Grupo Chrysler depois de se reerguer na Europa, muito graças ao fim de um acordo com a General Motors. Assim, se formou uma empresa com 10 marcas: Fiat, Alfa Romeo, Maserati, Lancia, Abarth, Chrysler, Jeep, Ram, SRT e Dodge…
Um dos mais tradicionais e antigos grupos automotivos, a holding francesa formada em 1976 tem dado passos mais ousados ultimamente. Em 2017, adquiriu a Opel, então divisão europeia da General Motors, por especulados 2,2 bilhões de euros. De quebra, levou a Vauxhall, a “Opel vendida no Reino Unido”.
Com o negócio, a PSA se tornou, à época, o segundo maior grupo automotivo em vendas na Europa, com as cinco marcas - também é dona da DS, que era uma divisão de luxo da Citroën e ganhou vida própria.
Tradicionalmente, a PSA era expert em fazer parcerias. Nos anos 2000, o subcompacto Toyota Yago originava Peugeot 107/1007 e Citroën C1. Já os primeiros SUVs das francesas, de 2004, Peugeot 4007 e Citroën C-Crosser, usavam a base do Mitsubishi Outlander. No Brasil, a fábrica da Iveco em Sete Lagoas (MG) fazia as vans Daily, Ducato (Fiat), Jumper (Citroën) e Boxer (Peugeot).
Em 1999, Renault e Nissan se uniram em uma aliança que previa compartilhamento de plataformas e economia de escala. Em 2017, a família aumentou, depois que a japonesa assumiu o controle acionário da Mitsubishi.
Porém, os planos de uma possível fusão foram descartados recentemente e a ideia do grupo é manter o formato de aliança, com uso conjunto de plataformas, motores e tecnologias. Só que com cada marca no seu canto e com foco onde é mais forte: Nissan com SUVs, Renault com carros de passeio e Mit com veículos 4x4.
No Brasil, as marcas já chegaram a dividir a fábrica de São José dos Pinhais (originalmente Renault), no Paraná, que fazia a velha Frontier, o SUV Xterra e a linha Livina. Hoje, atuam em separado por aqui, enquanto a Mitsubishi é representada pelo Grupo Souza Ramos, empresa independente e com licença para fabricar modelos da marca em Catalão (GO), como ASX, L200 e Eclipse Cross.
Porém, a fábrica da Nissan em Córdoba, na Argentina, produz a atual geração da Frontier, fruto de uma parceria com a Renault e a Daimler, de onde sai também a picape Alaskan e sairia a Mercedes Classe X, cuja produção já foi encerrada na Europa. A próxima geração da L200 também pode sair dessa plataforma conjunta.
Bom lembrar que a Nissan também é dona da Datsun e da Infiniti, esta uma divisão de luxo. E que a Renault é dona da romena Dacia, origem da maioria dos projetos vendidos no Brasil (Logan, Duster, Sandero...) e ainda detém 25% da russa AvtoVaz, fabricante da Lada. Ah, a francesa também namorou a Fiat para um acordo, antes do anúncio da fusão entre FCA e PSA.
É um dos mais tradicionais grupos automotivos do mundo. Formada em 1908, a General Motors reuniu durante quase um século as principais e mais emblemáticas marcas de automóveis dos Estados Unidos. A mais famosa para nós é a Chevrolet, mas teve Buick, Pontiac, Saturn, Oldsmobile, GMC, Hummer, além das estrangeiras Opel/Vauxhall (Alemanha/Grã-Bretanha), Daewoo (Coreia do Sul), Holden (Austrália) e Saab (Suécia).
Com a crise de 2008, a GM chegou a ser estatizada nos EUA. Para não quebrar, teve 60% de suas ações nas mãos do governo norte-americano. Até 2010, se desfez de várias dessas divisões deficitárias. Encerrou as marcas Pontiac, Saturn e Hummer (o grandão voltou agora sob a batuta da GMC), vendeu a Saab e, sete anos depois, passou a Opel à PSA.
Outro grupo gigante, reúne marcas diversas de automóveis, caminhões e motos. A marca em si nasceu em 1937, fundada pelo então governo alemão de Adolf Hitler para produzir o Fusca. Em 1985, se tornou Grupo Volkswagen (ou Volkswagen AG) e hoje disputa a liderança de vendas entre os grupos automotivos com a Toyota.
Entre as marcas de carros, Audi, Bentley, Bugatti, Lamborghini, Porsche, Seat, Skoda. Isso além da própria VW, do fabricante de motos Ducati e de montadoras de caminhões, como MAN e Scania. Uma curiosidade é que a Porsche era acionária do grupo até os anos 2000, e em 2012 foi a VW quem comprou a totalidade da marca de esportivos de luxo alemã - o que, dizem, a salvou da falência total.