Um artigo recentemente publicado pelo The Wall Street Journal, assinado por Joe Pinsker, detalha queixas dos motoristas americanos sobre o excesso de tecnologia a bordo nos modelos atuais. Em vez de tornar mais amigável a interface com o carro, confunde e até “enlouquece” seus usuários.
Conforme destaca o autor da reportagem, os donos dos carros gostariam que isso fosse bem estudado. Os recursos tecnológicos adicionados nos últimos anos vão muito além das telas sensíveis ao toque, dos sistemas de direção com sensores de aproximação ou os aplicativos de telefone complementares que se tornaram onipresentes.
Agora, também foram incorporados sistemas de visão noturna infravermelha, iluminação ambiente sazonal e "câmeras familiares" internas, que monitoram os passageiros do banco traseiro.
Para muitos motoristas tudo isso parece exagero. Segundo a enquete realizada pela Strategic Vision, empresa americana de pesquisa de mercado, os compradores estão cada vez mais céticos na percepção de intuitividade nos controles.
A satisfação dos clientes americanos em relação à interface com os sistemas auxiliares caiu de 79% em 2015 para 56% em 2024. Na queixa dos motoristas, o layout e as informações nos instrumentos dos modernos painéis, além das interfaces de telas
auxiliares, são tantas e tão difíceis de monitorar que, em vez de auxiliar, estão atrapalhando a mobilidade com segurança.
Já para Alexander Edwards, presidente da Strategic Vision, a maioria dos motoristas aceita bem novas tecnologias, mas querem que sejam tão fáceis de usar quanto um telefone celular.
O artigo também citou a experiência de um engenheiro canadense que tentou acionar remotamente seu modelo elétrico Volkswagen ID.4, 2024, usando um aplicativo no celular. Porém, com uma temperatura de -9º C, as portas do carro não abriram porque sensores nas maçanetas deixaram de funcionar. Ele acabou tendo de entrar pelo porta-malas.
Estas falhas podem ser especialmente irritantes para motoristas, além de encarecer os veículos. Bancos massageadores e telas do lado do passageiro da frente aumentam o preço. Telas sensíveis ao toque também são criticadas: alterar configurações pode
exigir vários toques, além da falta de uma resposta física, como girar ou apertar um botão.
A tendência de transferir praticamente todas as funções de controle para a tela no console ou no centro do painel começou com a Tesla. Várias marcas tradicionais foram atrás. Telas se tornaram o principal recurso para os comandos.
Algumas marcas chegaram a exageros, especialmente fabricantes de veículos elétricos. Elas estão cada vez maiores e com mais funções em detrimento de botões físicos.
Isso tem gerado muitas reclamações.
O sistema da Tesla foi duramente criticado por Steve Wozniak, cofundador da Apple com
Steve Jobs. Ele já teve um modelo da marca. Para Wozniak, carros da Tesla têm um "software miserável" do ponto de vista do usuário, e a constante atualização só piora.
Para o especialista, "a interface, maneira como se lida com a tecnologia, é o mais importante em um sistema. E o da Tesla é o pior do mundo nisso”, afirmou em entrevista à CNBC. Para ele, nada faz sentido no sistema de software da marca. O motorista obriga-se a acessar seguidos menus para encontrar a informação. Isso se torna mais complicado e inseguro com o carro em movimento.
Wozniak lembrou a dificuldade de sua esposa ao procurar acionar o pisca-pisca, que também fica escondido em menus. Até a abertura do porta-luvas só pode ser feita pela tela.
Atualmente, cerca de 28% dos compradores de carros novos disseram preferir botões em vez de telas sensíveis ao toque, conforme pesquisa realizada da consultoria Escalent. Isso inclui os interruptores capacitivos, que se parecem muito com botões, mas funcionam quando apenas tocados, não apertados. Por isso, muitos fabricantes estão voltando aos comandos analógicos.
A partir de 2026, o Euro NCAP (órgão independente de testes de segurança passiva e ativa) recomendará comandos físicos para controles primários, como limpadores de para-brisa e luzes de emergência, em vez de incluí-los em tela sensível ao toque.
"Existem problemas claros de distração”, revelou Matthew Avery, diretor de desenvolvimento estratégico do Euro NCAP.
Especialistas em segurança repensam até que ponto a tecnologia exagerada realmente auxilia o motorista. "Precisamos de soluções menos utópicas e mais viáveis", lembrou Peter Norton, professor da Universidade da Virgínia e autor do livro ‘Autonorama: The Illusory Promise of High-Tech Driving’ (Autonorama: A Promessa Ilusória de Dirigir com Alta Tecnologia,em tradução livre).
Ele afirmou à publicação especializada Automotive News: "Aprendemos, erroneamente, a pensar na tecnologia como solucionadora de todos os problemas".