F1 já estuda como realizar as corridas adiadas

Categoria agora quebra a cabeça para garantir verbas de contratos em uma temporada ainda indefinida

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Livio Oricchio
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Para ser bem objetivo. Sabe o que mais está se passando pela cabeça das lideranças das várias vertentes que compõem o universo da F1? Além, claro, das preocupações com a pandemia do coronavírus?

Resposta: como fazer para ainda faturar os cerca de US$ 300 milhões (R$ 1,5 bilhão) que deixarão de entrar nas contas da Formula One Management (FOM) se, de fato, as sete etapas iniciais do campeonato não forem disputadas.

Originalmente, você bem sabe, a temporada começaria no último fim de semana, em Melbourne, Austrália. Mas diante dos riscos procedentes de uma contaminação geral, do público e dos profissionais do evento, a prova foi cancelada.

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Um integrante da equipe McLaren deu positivo para o COVID-19. Zak Brown, diretor executivo, emitiu comunicado para informar que a McLaren não disputaria a prova. O profissional ficou em isolamento e os 14 técnicos de seu grupo entraram em quarentena.

Como na Europa, sede das dez escuderias da F1, o vírus virou coisa muito séria. Com o aumento no número de mortos, os responsáveis pela categoria se sentiram obrigados a transferir a abertura do mundial para o que seria somente o oitavo GP do calendário, dia 7 de junho, na ruas de Baku, no Azerbaijão. Desde que a pandemia, óbvio, dê sinais evidentes de trégua.

Por essa programação - que, sabemos, pode ser revista -, a F1 não irá ainda ao Barein, GP previsto para o próximo fim de semana, Vietnã, 5 de abril, China, 19, já previamente adiado, também por causa do COVID-19, Holanda, 3 de maio, Espanha, 10, e Mônaco, 24.

Se você acha que apenas os donos dos direitos comerciais da F1 estão preocupados com uma possível queda significativa do faturamento, saiba que a história não é bem assim.

Desde janeiro de 2017 o grupo americano Liberty Media é o dono desses direitos. Depois de completar o pagamento de algo como US$ 8 bilhões, ou R$ 40 bilhões, ao diretor executivo da FOM, Bernie Ecclestone.

Grato por tudo o que fez

O novo líder da F1, designado pelos americanos, Chase Carey, agradeceu Eccestone, então com 87 anos, “pelos excelentes serviços prestados por quatro décadas”. Mas disse-lhe, olhando nos olhos, que não precisaria mais dele, segundo o próprio Ecclestone nos contou na Áustria, em 2018.

Mencionamos que não é apenas o Liberty Media que estuda como fazer os US$ 300 milhões entrarem na conta da FOM, administrada pelo grupo americano - que tem, além de Carey, o super experiente Ross Brawn como diretor. Brawn, você se lembra, foi o diretor técnico dos times de Michael Schumacher nos seus sete títulos: dois na Benetton e cinco, Ferrari, dentre outros.

A pressão para que Carey e Brawn viabilizem a realização dos GPs vem também das dez equipes. O motivo é simples: pouco mais de 60% do faturamento da FOM se destina a elas próprias.

Deixa eu fazer um brake necessário. Na F1, há os donos dos direitos comerciais. Eles são os responsáveis por gerar e administrar os negócios. A FOM, controlada pelo Liberty Media, é a holdind das empresas que exploram as várias áreas comerciais do show.

Outra vertente é a FIA, entidade apenas reguladora, que não interfere nos acordos comerciais. É dona dos direitos esportivos. Mas também tem uma fatia do bolo.

Tudo é secreto na F1. Os valores não são divulgados. Mas, no caso da FIA, a estimativa é de que fique com 10% do total repassado aos times - ou cerca de 6% do arrecadado pela FOM, algo representativo.

Portanto, quando falamos em F1, temos sempre de pensar em FOM, FIA e nos atores do espetáculo, as equipes. Cada uma tem um representante nas discussões. As decisões são, em geral, conjuntas.

Organograma complexo

De onde vem esses US$ 300 milhões que a F1, hoje, está deixando de faturar? Você entenderá melhor, agora, como tudo funciona - ao menos globalmente.

As fontes de receita da FOM são várias,. Fixemo-nos nas principais, as maiores responsáveis pelo total de US$ 1,2 bilhão, ou R$ 6 bilhões, que entram na sua conta todo ano. A maior é a taxa que a FOM cobra dos promotores de GP, a conhecida – e temida - promoter fee. A cada edição do evento eles são obrigados a pagá-la - uma espécie de roialtes por estarem recebendo o evento.

Temporada da F1 pode começar só no Grande Prêmio do Azerbaijão, em junho. Isso se o coronavírus permitir
Crédito: iStock
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Há uma cláusula de confidencialidade nos contratos entre os promotores de GP e a FOM. Sabe a razão? Porque cada GP tem sua história, os interesses que o regem e, claro, seu valor. Sabe-se que dos promotores europeus a FOM exige o pagamento antecipado de US$ 25 milhões, ou R$ 125 milhões.

Mônaco é uma exceção. Paga bem menos. Pelo motivo exposto, sua realização é também do alto interesse da FOM . No máximo US$ 5 milhões, ou R$ 25 milhões.

Novas nações pagam muito

Mas, das novas nações que entraram no calendário, a promoter fee é assustadoramente alta. Existe uma razão para isso.

Ecclestone viu que os promotores eram os próprios governos, através de empresas estatais, que tinham como objetivo utilizar a fantástica plataforma internacional da F1 para promover sua nação. Mostrar ao mundo, em uma era de globalização, que vale a pena investir lá.

Dessa forma, países com Barein, Vietnã, com estreia este ano, China, Azerbaijão, Singapura, Abu Dhabi recolhem, pelo menos, US$ 60 milhões para a FOM a cada edição do seu GP.

Ecclestone elevou drasticamente o valor da promoter fee ao entender que, se o evento gerasse prejuízo financeiro, não faria diferença para a nação promotora.

O retorno do elevado investimento - também da construção de autódromos faraônicos - vem de outro lado, o da exposição da imagem do país para o mundo e dos investimentos externos que poderá atrair, seu objetivo. Mostrar a competição esportiva à população tornou-se secundário nesse jogo de interesses.

O negócio parece funcionar. Barein, por exemplo, pequena ilha no Golfo Pérsico, no Oriente Médio, estrou no campeonato em 2004 e já renovou contrato. O mesmo vale para Abu Dhabi, no calendário desde 2009.

Privados, com o chapéu na mão

O que não é o caso dos promotores privados, a maioria na Europa, cada vez com dificuldades maiores para manterem-se no mundial. Pois visam lucro, ou não perder dinheiro, e a taxa cobrada pela FOM é quase inviável de ser paga.

Você reparou que até agora não há aspas nesse texto, pessoas da F1 com quem falei, durante anos, para explicar essas questões? Isso atesta o que mencionei: dinheiro na F1 é assunto para ser discutido por quem a pratica. Ponto. O que me contam posso até escrever, mas sem jamais citar a origem.

Direitos de TV seguem caros

Outra fonte ainda importante de arrecadação da FOM, além da promoter fee, é o valor dos contratos de venda dos direitos de TV, também confidencial. Apesar de menor de em outras épocas, sua contribuição para o orçamento geral é alta.

Para você ter uma ideia. A Sky inglesa e a italiana têm a exclusividade da transmissão da F1 para os seus países. Pagam a "bagatela" de US$ 57 milhões, ou R$ 285 milhões, cada, por ano. A TV Globo, estima-se, recolhe para a FOM algo como US$ 35 milhões, ou R$ 175 milhões por temporada. O seu contrato termina no fim do ano.

A FOM tem o direito, ainda, de explorar parte dos espaços publicitários nos autódromos onde os GPs são realizados e as chamadas áreas VIP, com ingressos de valor elevado e serviço de catering.

Somando tudo, promoter fee, direitos de TV, publicidade nos autódromos, VIP club, associação de nomes com a marca F1, como faz a Heineken, a FOM arrecada o valor citado: US$ 1,2 bilhão por ano.

Bem pouco para os promotores

Você já deve ter entendido que a FOM fica com a parte do leão e deixa bem pouco para os promotores de GP gerarem receita, não é mesmo? Seus direitos são mínimos. Podem explorar a venda dos ingressos e assinar contratos com patrocinadores, em essência.

Hoje em dia, por mais que haja público e a prova seja bem vendida em termos de publicidade, os custos da promoter fee e de organização são maiores que a arrecadação.

É por isso que os promotores privados estão ficando raros na F1 e circuitos tradicionais, sob risco de saírem do calendário, como Silverstone, Spa-Francorchamps e Monza. A conta não fecha.

Os US$ 300 milhões citados lá em cima, referentes ao que a FOM deixará de arrecadar se os GPs “adiados” não forem disputados, representam o resultado desses cálculos, todos esses elementos foram levados em consideração. Estamos falando de alguma coisa como 30% do campeonato. Não é pouco.

Na nossa conversa de amanhã, vamos falar como Carey, Brawn, Jean Todt, presidente da FIA, os representantes das equipes e dos promotores podem reinserir os GPs não disputados no calendário, caso não sejam mesmo realizados. Dá para adiantar que as férias de agosto da F1 já subiram no telhado, não deverão existir.

Bem, de repente, a epidemia do COVID-19 passa a ser controlada e as corridas de maio são realizadas. Nunca se sabe.

Mas, na conversa que tive ontem, por telefone, com um ex-integrante da FOM e hoje personagem de uma equipe, ficou claro que eles próprios reconhecem ser “muito difícil” que o campeonato comece antes do GP do Azerbaijão, dia 7 de junho, apesar de ser a torcida de todos.

Não muda o orçamento das equipes

Outro aspecto muito importante que você precisa saber sobre todo esse imbróglio: o valor que as dez equipes vão receber da FOM, este ano, não depende do que está acontecendo na temporada.

Elas vão ver entrar nas suas contas o valor equivalente a sua classificação do Mundial de Construtores de 2019 e o que lhe cabe de valor fixo por sua importância histórica, previsto no contrato assinado em 2013, o Acordo da Concórdia, e que vai acabar no fim deste ano.

Assim, o orçamento delas, no que depende do depositado pela FOM, não sofre nenhuma alteração em relação à programação original. O dinheiro já está com a FOM, por ser relativo a 2019. A ausência de GPs não interfere. A forma de pagamento, mês a mês, será respeitada.

Túnel do circuito de Monte Carlo, do tradicional Grande Prêmio de Monaco: prova está fora da temporada 2020
Crédito: iStock
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Agora, se você pensar em 2021, a história muda, pois como explicado, os times recebem no ano seguinte pelo que a FOM arrecadou na temporada anterior, segundo a porcentagem que lhes é prevista em contrato. Como a arrecadação da FOM pode diminuir, o valor a ser repassado em 2021 poderá ser menor.

Mais: haverá um novo contrato, ainda em fase de definição. O Acordo da Concórdia, como citado, termina no fim do ano. É por isso também que se diz que uma nova F1 vem aí a partir de 2021. A porcentagem do total a ser repassado às equipes vai crescer um pouco e o novo critério de distribuição do dinheiro não vai mais favorecer, tão descaradamente, os já mais ricos.

Limite orçamentário, grande negócio

Tem algo no ar que com certeza deve estar reverberando na mente dos chefes de equipe neste momento. Em 2021 estreia o inédito limite de orçamento na F1. Cada time não poderá investir mais de US$ 175 milhões, ou R$ 875 milhões. Não entram nessa conta o pago aos pilotos, três dos principais diretores e as despesas com marketing.

O orçamento de Mercedes, Ferrari e Red Bull é alguma coisa próxima de US$ 330 milhões por ano. Cada uma. Sim, vencer na F1 custa muito dinheiro.

A partir do ano que vem, as três terão de reduzir suas despesas. As demais, nem tanto, por investirem bem menos, o que ajuda a explicar a existência de duas competições na F1: a da série onde estão as três milionárias e “série B”, dos outros concorrentes, sem chances de lutar pelas vitórias.

Desde a introdução da tecnologia híbrida na F1, em 2014, quando os custos tornaram-se ainda mais elevados, apenas Mercedes, Ferrari e Red Bull venceram corridas. E estamos falando de 121 GPs em seis anos. É uma hegemonia bastante nociva para os interesses da F1.

É o que a revisão conceitual da F1 a ser implantada a partir de 2021 tentará mudar. A possibilidade de sucesso a mais praticantes é um dos fundamentos do esporte.

Se tirarmos de Mercedes, Ferrari e Red Bull o que destinam, hoje, ao que não faz parte do limite orçamentário, estima-se na F1 que, em 2021, cada uma irá dispor de um orçamento de US$ 100 milhões, ou R$ 500 milhões, menor do que nos últimos anos.

É considerável. Associado à melhor distribuição do dinheiro às demais escuderias, faz sentido acreditarmos que, a médio prazo, as hoje grandes diferenças de performance entre os times vão tender a ser menores, favorecendo o espetáculo.

Entendeu o lado bom desse aspecto da F1 em 2021? O impacto da redução de um eventual faturamento da FOM, este ano, tenderá a ser menor do que se não houvesse o limite orçamentário.

Vamos lá, ficaríamos bem mais tempo discutindo tudo isso. O importante é ter em mente que há razões importantes para tanto FOM, quanto FIA, equipes e promotores de GP estarem já discutindo como termos ao menos parte das corridas “adiadas” de volta ao calendário.

Como a definição do novo calendário dependerá de a epidemia estar mais ou menos controlada, não deveremos conhecê-lo tão cedo.

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