FCA e PSA: realidades locais distantes da fusão

Citroën e Peugeot correm ao seu modo no Brasil enquanto união dos grupos não chega com a viabilidade necessária

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Fernando Miragaya
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Stellantis: este nome complicado representa a grande movimentação na indústria automobilística nos últimos meses. A fusão entre FCA - Fiat Chrysler Automóveis e PSA Group vai gerar um conglomerado com marcas diversas e que, hoje, seria o quarto maior grupo automotivo do mundo. São empresas que alternam força em regiões estratégicas, que registram boas vendas em diversos mercados, mas que no Brasil vivem realidades bem diferentes. A holding, contudo, poderia ser uma boa alternativa para Peugeot e Citroën em nosso mercado.

Coluna Mercado Auto Miragaya

Antes de mais nada façamos um retrato das duas partes por aqui. A Fiat, uma das “quatro grandes” do país, como costumamos dizer, celebra hoje seu crescimento de 24% em participação de mercado em 2020, domina com folgas o setor de comerciais leves com 45% de market share (embalada pela picape Strada) e está em terceiro no mix total de emplacamentos (incluídos automóveis de passeio), com 16%, colada em Volkswagen (17%) e GM (17,1%) no acumulado do ano, segundo a Fenabrave.

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A Jeep, que é uma marca bem mais segmentada - só que do nicho que mais interessa, o de SUVs -, também tem motivos para jogar confetes nos números. Com praticamente apenas dois veículos (Renegade e Compass), detém 6,6% de participação no recorte de carros de passeio, à frente de fabricantes como Toyota, Honda e Nissan, e pouca coisa atrás de Renault e Ford.

Na outra ponta temos Peugeot e Citroën, que são uma sombra do que já foram no passado. Com portfólio enxuto, a marca do leão tem 0,64% no mercado geral, atrás até da BMW. A companheira de grupo não está muito melhor: 0,76%, superada inclusive por um novato, Caoa Chery.

Não custa lembrar que se voltarmos 15 anos no tempo, a dupla francesa tinha quase 6% do share do segmento automotivo brasileiro.

Obviamente foram muitos erros estratégicos de lá para cá de ambas as partes que serviram de aprendizado - acredita-se. Vejamos o exemplo da Citroën, que nos anos 2000 conseguiu colar a imagem de marca mais sofisticada - sequer tinha o C3 com motor 1.0 -, mas que fez apostas equivocadas.

Investiu no C4 quando o segmento de hatches médios já dava sinais de fraqueza, e nos sedãs C4 Pallas e Lounge com posicionamento ruim perante o domínio de Toyota Corolla e Honda Civic.

Depois, elegeu o C3 Aircross, um monovolume com desenho aventureiro, para ser uma opção como SUV compacto em uma época na qual o Ford EcoSport ainda dominava sozinho esse segmento. O público não embarcou nessa. E ainda insistiu em sua variante C3 Picasso, quando a categoria de minivans já desidratava diante da presença cada vez mais ostensiva dos utilitários esportivos.

Gama enxuta

O retrato fiel está aí. Conta-se nos dedos de uma das mãos os carros da linha Citroën no Brasil atualmente. Recentemente, o fabricante deixou de trazer o C4 Lounge da Argentina, o C3 está sumido das lojas e desde o início do ano o Aircross sequer aparece na lista de emplacamentos mensais da Fenabrave.

A empresa, contudo, garante que o hatch e o monovolume continuam em produção, mas difícil encontrar qualquer um dos dois nas revendas.

O que se encontra bem na rede da marca é o C4 Cactus, a decisão mais acertada da montadora nos últimos tempos - e o que sustenta as operações no momento. Tanto que a empresa sabe que precisa ter mais opções de SUVs no mercado brasileiro para sobreviver. E a solução para isso virá da Índia.

C3 XR Chinês servirá de inspiração para SUV da Citroën que vai brigar em novo segmento que se forma
Crédito: Divulgação
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É lá que a montadora desenvolve um utilitário esportivo menor que o Cactus. Com desenho baseado no C3 XR, o modelo será feito em Porto Real (RJ) sobre uma plataforma simplificada da modular CMP (esta serve ao novo Peugeot 208 feito na Argentina).

Um jeito prático e mais barato de trazer um crossover urbano compacto para atuar na base do mercado, com modelos como EcoSport, Renault Duster entre outros novos SUVs pequenos que virão por aí.

Dessa base, porém, surgirão duas apostas que podem se mostrar um sucesso... ou mais um fracasso para a coleção da marca. Um hatch para fazer as vezes de sucessor do C3 - ou ser tratado como a segunda geração do carro - e um sedã inspirado no C3L chinês. O leitor vai indagar, mas desde quando hatch e sedã são riscos para um fabricante no país?

Para marcas com muito mais tempo de mercado, rede grande de concessionárias e operações estruturadas, com “certa autonomia” perante as matrizes, nem é tão complexo usar essas cartas. Mas para um fabricante que encolheu em número de carros, vendas e lojas (109 hoje), que tem o desafio de superar mitos estereotipados de pós-venda com má fama e de desvalorização acentuada, a aposta é bem mais ousada.

Obviamente uma marca como a Citroën não pode ter apenas um ou dois veículos na vitrine. Mas será que é o momento de ter um sedã, por exemplo?

Tudo bem que o C3L em questão encaixaria para disputar o segmento dos chamados compactos premium - ou médio-compactos -, mas dá uma olhada nos jogadores: Volkswagen Virtus, Fiat Cronos e Chevrolet Onix Plus, só para citar carros que, juntos, passam de 1.200 pontos de venda no país e ostentam o selo de “marca tradicional”.

E o novo C3 hatch? Virá com preço para brigar com modelos de entrada do Onix, Hyundai HB20, Argo e Ford Ka? Ou chegará como o novo 208, que começou com valores a partir de R$ 75 mil e só agora lançou opções - nem tanto - acessíveis?

Bonde da história

Peguemos o exemplo do próprio irmão de grupo no fim dos anos 2000, quando a Peugeot insistiu em fazer um 207 em cima da arquitetura do 206. E ainda deu crias que não emplacaram, como o sedã Passion e equivocada picape Hoggar.

O mais curioso, como sempre gosto de ressaltar, é que as duas marcas parecem estar em outra sintonia quando o assunto é Brasil. Peugeot e Citroën poderiam ter surfado na onda dos sedãs compactos premium - maiores e mais bem equipados - com uma solução low cost. No início dos anos 2010, tinham o 301 (que chegou a ser cotado para cá) e o C-ELysée.

Ambos eram projetos para países emergentes, usavam a plataforma do 208 na época, eram maiores que o Passion e tinham espaço de sobra na cabine e no porta-malas para encarar carros como Renault Logan, Chevrolet Cobalt e Nissan Versa. Ah, e os dois sedãs do grupo francês ainda tinham uma grande vantagem nesse segmento: eram bem mais bonitos do que a concorrência.

Poderia ter sido um caminho para fazer volume e operar no azul? Não é possível cravar, mas era um tiro mais certeiro do que hoje, quando mesmo os sedãs compactos começam a perder espaço para os SUVs.

Stellantis, fusão que pode viabilizar projetos das marcas francesas aqui. Mas isso demanda tempo
Crédito: Divulgação
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Da parte da Peugeot, como já escrevi aqui em uma coluna interior, a estratégia está mais voltada para SUVs mesmo. Depois do novo 208, a marca se volta para fazer uma segunda geração do 2008 sobre esta plataforma simplificada dos C3. E também em uma solução igual à da Citroën para ter um crossover menor, algo que pode ter como inspiração o 1008.

Um início imediato hoje da Stellantis poderia ser uma bênção para as marcas francesas no Mercosul. Projetos e plataformas compartilhadas, redução de custos e a estrutura de fábricas da FCA aqui seriam um meio mais rápido de alavancar e viabilizar projetos.

Mas uma fusão deste porte demanda tempo - ela ainda depende de aprovação de acionistas dos dois grupos, o que ocorrerá em 4 de janeiro de 2021. Peugeot e Citroën não podem esperar muito. E precisam ocupar espaços. Rápido.

Toda terceira quarta-feira do mês a coluna Mercado Auto traz análises e perspectivas do segmento automotivo com Fernando Miragaya.

Instragram: @fmiragaya

Twitter: /miragaya

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