Lewis Hamilton é o maior piloto de Fórmula 1 de todos os tempos. Isso deveria ser incontestável. Deveria, mas não é. Muitos dos fãs de automobilismo replicam o padrão da sociedade, e se recusam a admitir que um negro reina absoluto na categoria. Por isso, inventam as maiores balelas com a finalidade de diminuir os feitos do britânico.
Atribuem à "sorte" o sucesso do recordista de vitórias na Fórmula 1. Dizem que já ingressou na categoria pilotando um carro vitorioso. É claro que o McLaren MP4-22 era um projeto muito bem engendrado. O que os detratores de Hamilton se esquecem é que o primeiro piloto do time de Woking à época era o espanhol Fernando Alonso.
A essa altura, 2007, Alonso já era bicampeão mundial. Com um bom carro nas mãos e um calouro como companheiro de equipe, o terceiro título era praticamente certo. Era. Lewis Hamilton fez a melhor temporada de um estreante na história, venceu quatro corridas no ano e dilacerou os sonhos do Príncipe das Astúrias. Não fosse um problema na oitava volta do GP do Brasil, teria tirado o campeonato das mãos de Kimi Räikkönnen.
A grandiosidade de Lewis Hamilton pode ser muito bem mensurada pela capacidade de seus rivais. Dos cinco companheiros de equipe que o britânico teve na Fórmula 1, três foram campeões mundiais. Além disso, apenas Jenson Button, em 2011, e Nico Rosberg, em 2016, conseguiram fechar o ano à frente de Hamilton.
Vale também frisar que Lewis, ao contrário do que seus detratores dizem por aí, nunca teve carro superior ao de seus companheiros de equipe. Sua velocidade e consistência na pista usualmente o deixam em posição favorável, fazendo com que as estratégias desenhadas para ele sejam menos arriscadas que as de seus rivais diretos.
Importante ressaltar que, ao contrário de times como a Ferrari, a Mercedes sempre dá prioridade aos carros que estão na frente. Por estar com certa constância em melhor posição de pista que seus companheiros, Lewis acaba beneficiado. Episódio como o do GP de Singapura de 2019, quando o time pediu para que Valtteri Bottas tirasse o pé, também teria acontecido se o finlandês fosse o beneficiário.
A vontade mesquinha de querer diminuir as conquistas de Lewis Hamilton, porém, não se restringe aos fãs. A imprensa britânica, por exemplo, volta e meia rasga elogios aos outros pilotos do circo que correm pela Rainha. Já para Lewis, porém, o carinho vem com mais parcimônia.
Até mesmo a Federação Internacional de Automobilismo (FIA) parece não compartilhar dos esforços de Lewis Hamilton por igualdade racial. Além disso, também parece trabalhar para reduzir o brilho de sua maior estrela.
Ao escolher Vitaly Petrov para ser comissário do GP de Portimão, a federação praticamente deu de ombros para a luta. O russo condenou o fato de Lewis Hamilton ter usado camiseta em que pedia justiça por Breonna Taylor, mulher negra, morta dentro de sua própria casa pela polícia de Louisville. O ex-piloto também criticou o ato de se ajoelhar em prol do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam).
Por um triste problema familiar, Petrov não pode participar do GP de Portugal. Ainda assim, o convite ao russo é uma afronta aos que defendem a igualdade racial. Com a escolha, a FIA pareceu ignorar seu slogan: "We race as one" que, em português, significa "corremos como um só".
Mas não fica só aí. Não é de hoje que FIA e Fórmula 1 tendem a fazer vista grossa para o racismo. Velado ou não. Em 2008, durante os testes da pré-temporada, na Espanha, Lewis Hamilton foi alvo de vaias e de injúrias raciais por parte dos "fãs". À época, federação e circo espernearam, mas nada fizeram contra os espectadores.
Bernie Ecclestone, chefão da Fórmula 1 por quase quatro décadas, disse que, geralmente, "negros são mais racistas que brancos". Comentou também que achava Lewis Hamilton "muito talentoso" e que "a campanha que Lewis estava fazendo 'para' os negros era maravilhosa". Numa análise mais aprofundada, dá para inferir que Ecclestone já considere Hamilton como seu "amigo negro".
De acordo com o doutor Harry Edwards, PhD pela Universidade de Cornell, o branco "comprime" a identidade negra, bem como o espaço de vida do negro. É uma espécie de controle editorial, ao qual Edwards atribui como "sintomático dos tempos em que vivemos".
"Mesmo aqueles brancos que estavam dispostos a trabalhar em colaboração com os negros geralmente o faziam com presunções, às vezes sutis e às vezes descaradas, de superioridade branca - superioridade na informação, na percepção, no julgamento e, certamente, no controle e poder", escreveu Edwards em A revolta do atleta negro, livro de 1968.
A obra de Edwards mostra o despertar do atleta negro para a sua capacidade como influenciador. O professor emérito da Universidade da Califórnia (UC Berkeley) destaca, porém, que esse despertar não é visto como uma surpresa, mas sim como inevitável. Lewis Hamilton sabe disso muito bem.
Ao lutar pela igualdade racial, o primeiro piloto negro da história da Fórmula 1 usa seu poder da melhor maneira. Ademais, ao defender outras pautas relevantes, como sustentabilidade e respeito aos direitos dos animais, Lewis Hamilton foge da figura romantizada, do que conhecemos como "o piloto de F1". E isso é ótimo. Ele vai de encontro ao status quo.
Status quo que produziu campeões mundiais como Jackie Stewart e Mario Andretti, que minimizaram o racismo na Fórmula 1. Andretti ainda foi além, e disse que Hamilton não precisava ser "tão militante". Não à toa esse mesmo discurso é replicado, com menos rebusque, por boa parte dos fãs.
Lewis Hamilton pode não ser o melhor piloto da história da Fórmula 1. Até porque, melhor é subjetivo. O melhor pertence a cada sujeito. Já maior, principalmente num universo regido por métricas, não. O maior é definido por estatísticas, por números que evidenciam a genialidade do indivíduo ou do grupo.
Lewis Hamilton é o maior piloto de Fórmula 1 de todos os tempos. Isso deve ser incontestável.
---
"Em primeiro lugar, populações e sociedades às vezes escolhem - por medo, raiva, convenção cultural e tradição, ou sob a influência da demagogia - ignorar as lições da história." - Harry Edwards
Toda a última quarta-feira do mês a coluna Chicane traz reflexões e histórias do mundo do automobilismo, em especial a Fórmula 1, com Marcus Celestino.
Instagram: @mvcelestino
Twitter: @mvcelestino