As suspeitas se confirmaram: a pandemia do coronavírus está levando o Grupo McLaren a enfrentar severas dificuldades financeiras. Ao mesmo tempo em que, na última quarta-feira (27/5), a FIA anunciava o limite orçamentário da F1 para os próximos anos, Zak Brown, seu diretor executivo, informou que o grupo irá dispensar 1.200 funcionários dos 4 mil que tem.
Curiosamente, o ex-fundador e sócio majoritário do grupo, Ron Dennis, não faz muito, recebeu o último pagamento pela venda de sua participação no negócio, no valor de US$ 45,5 milhões – R$ 260 milhões - do total de US$ 333 milhões –, R$ 1,8 bilhão.
E deve estar se sentindo triste com o momento do império que construiu depois de comprar, em 1980, a McLaren Racing, a equipe de F1 fundada por Bruce McLaren, em 1966, e levá-la a conquistar nada menos de 12 títulos mundiais de pilotos e 8 de construtores. Só perde para a Ferrari, com 15 títulos de pilotos, e Ferrari e Williams - entre os construtores -, 16 e 9.
Antes da reunião por vídeo conferência entre os representantes das equipes com as lideranças da FIA e da FOM, na semana passada, Brown procurou a imprensa para defender a redução do limite de investimento por ano para US$ 100 milhões, em vez dos US$ 145 milhões depois aprovados. A partir de 2021, os times não poderão gastar mais de US$ 145 milhões – R$ 826 milhões.
O motivo de tanta energia de Brown na sua defesa de posição ficou claro agora. E confirmado na sequência por ele: “Não será fácil para a McLaren dispor do aprovado”. Vale lembrar que o que Brown pagará para Daniel Ricciardo e Lando Norris, em 2021, não entra nesse limite. Estima-se que seja US$ 18 milhões para o australiano de 30 anos, nove temporadas de F1, e US$ 3 milhões para o inglês, 20 anos, na sua segunda.
Obviamente a necessidade de conter custos de todas as formas fará a McLaren Racing perder profissionais. Haverá um corte de 60 deles, do total de 570. Mas Brown já adiantou que o programa de desenvolvimento do modelo MCL35-Renault não será afetado.
Nesse sentido, o pacote de contenção de despesas anunciado nesta quarta-feira pela FIA restringiu muito o que as equipes poderão fazer nos seus carros nos próximos dois anos.
A escuderia de F1 que já teve Ayrton Senna e Alain Prost lutando pelo título prova a prova, monopolizando a atenção do mundo do esporte a motor, é apenas uma das empresas do Grupo McLaren. E não gera receita.
Ao contrário, só recebe investimentos dos dois outros carros-chefe, a McLaren Applied Tecnnologies, produtora das centrais eletrônicas de todos os carros de F1, e a McLaren Automotive, construtora dos desejados modelos esportivos de alta performance. O arrecadado com patrocinadores pelo time de F1 é relativamente pouco. Não há um principal há várias temporadas.
Com as fontes de receita do grupo atingidas pela Covid-19, o repasse para o time de F1 será menor.
Em entrevista para a Sky Sport inglesa, o ex-mecânico de Jack Brabham nos anos 60, Ron Dennis, hoje com 72 anos – vai completar 73 dia 1º de junho -, evitou comentar as dificuldades do grupo que ele magistralmente criou e desenvolveu: “No dia 1º de junho de 2017 eu vendi a minha parte na sociedade e passei a me dedicar a ações filantrópicas”.
Sua última doação foi de US$ 1,2 milhão – R$ 6,8 milhões – para um fundo destinado a auxiliar os profissionais de saúde envolvidos no tratamento dos infectados pelo coronavírus.
O Grupo McLaren pertence atualmente ao fundo de investimento Mumtalakat, controlado pela família real do Barein, com 57,7% de participação, e tem como sócios o TAG Group, do saudita Mansour Ojjeh, -sócio desde os tempos de Senna -, com 14,7%, e o empresário canadense Michael Latifi, pai do piloto da Williams, Nicholas Latifi, estreante este ano na F1. Os 17,6% restantes são de propriedade de outros investidores.
A pergunta que não quer calar: será mesmo, como Brown garante, que o orçamento limitado da McLaren Racing, este ano e em 2021, permitirá ao time liderado pelo capaz Andrea Seidl não apenas repetir o quarto lugar entre os construtores de 2019, como aproximar a performance do MCL35-Renault das três equipes mais eficazes da F1: Mercedes, Ferrari e Red Bull?
Muito do que a McLaren fará nesses dois anos de regras quase congeladas se relaciona ao verdadeiro potencial do carro apresentado este ano, bem diferente do bom modelo usado em 2019.
Isso porque o novo diretor técnico, James Key, na ativa desde março do ano passado, proveniente da Toro Rosso e hoje Alpha Tauri, não quis saber de usar a base do modelo de 2019 no projeto deste ano. Partiu para algo novo, de sua cabeça.
E os seis dias de testes realizados em fevereiro, no Circuito da Catalunha, em Barcelona, deram apenas indicações do que o MCL35 poderá fazer, nenhuma certeza: parece ter o tal do potencial necessário. Mas era apenas um teste. O campeonato programado para começar dia 5 de julho em Spielberg, na Áustria, responderá à pergunta.
Há mais um outro elemento nessa história da nova fase da McLaren na F1: o time com sede em Woking, ao Sul de Londres – cidade onde Ron Dennis nasceu, cresceu e sempre morou - deixará de competir com a unidade motriz (motor) Renault para passar, em 2021, a da Mercedes. E isso exige recursos.
Na F1, o carro é projetado para o motor e os pneus que serão usados. Portanto, o grupo de James Key terá de reprojetar o modelo MCL35-Renault para receber não apenas a unidade motriz Mercedes, bem como todos os seus periféricos, a exemplo dos radiadores, com grandes implicações no conjunto aerodinâmico e distribuição de peso do monoposto.
Voltando a falar de Ron Dennis, os demais sócios do Grupo McLaren o quiseram fora do negócio por causa de sua postura “anacrônica” para a realidade atual da F1. Sua metodologia não se casava mais com as "necessidades operacionais modernas da F1".
Jo Ramirez, ex-chefe de equipe da McLaren no tempo de Senna e Prost, começou a trabalhar para Ron Dennis quando ele dispunha apenas de um mezanino na fábrica da equipe, sempre em Woking.
Ramirez me disse: “Por sua inteligência, liderança, capacidade de trabalhar, Ron saiu da garagem que tinha para o império do Grupo McLaren, com faturamento de muitos milhões de libras. Mas infelizmente é verdade também que nos últimos anos esse sucesso todo o fez pensar que pudesse caminhar sobre as águas”.
Mais do carismático e obcecado Ron Dennis: ele mandava pintar o piso dos boxes da equipe de cinza claro e não queria ver um sinal de sujeira no chão. Era impiedoso com a disciplina. Bernie Ecclestone me confirmou a história: “Sim, Ron me pediu”. Acredite: ele não queria que os boxes da McLaren ficassem ao lado dos da Minardi, a equipe de menores recursos da F1, para não aparecerem próximos nas transmissões de TV.
O fato é que a escuderia-modelo daquela F1 dos anos 1980 e 1990, de 9 dos 12 títulos de pilotos e 7 dos 8 de construtores, esbanjando riqueza, hoje luta para dispor do orçamento permitido pelo regulamento. E tem como meta manter o quarto lugar entre os construtores alcançado em 2019, melhor colocação desde 2012, quando terminou em terceiro.