Picapeiros, uni-vos: há vida além dos SUVs

Segmento que serve como um dos termômetros da economia dá sinais de que se manterá aquecido. Durante e depois da crise

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Fernando Miragaya
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Os holofotes do setor automotivo estão nos SUVs, fato. Mas calma. Tem segmentos que não ficam na sombra, tampouco merecem incompreensível pseudo-ostracismo. As picapes, por exemplo, desempenham papel bastante peculiar, além de representarem uma boa fatia do mercado. São fundamentais para diversos setores econômicos e compõem aquele termômetro para sinalizar como vão os negócios no país.

Só neste mês tivemos dois lançamentos desta categoria: a segunda geração da Fiat Strada e a reestilização da Chevrolet S10. E tem mais picapes de diferentes tamanhos por vir. Modelos de marcas com pouca tradição no segmento, como Renault e Peugeot, e novas médio-compactas para brigar com a Fiat Toro, que nada de braçadas na categoria que ela própria, se não inventou, revolucionou.

Apesar de ser um ano atípico, as picapes fecharam o primeiro semestre de 2020 com 14% de participação no mercado de automóveis e comerciais leves, segundo dados da Fenabrave, a entidade que representa as concessionárias.

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Lembre-se que, aqui, falamos de produtos com maior valor agregado e que têm a maior parte de suas negociações para empresas, frotas e locadoras. Em média, 60% das picapes emplacadas no país são para vendas diretas.

A movimentação do setor também deixa claro a importância destes veículos. Além das estreias já mencionadas, há um claro investimento dos fabricantes nos sub-segmentos que mostram potencial e ainda condições de competição.

Isso porque, na base do mercado, fica difícil competir com a Strada. O exemplar da Fiat é líder há duas décadas da categoria de compactas, se mostra imbatível e vende, muitas vezes, o triplo do que a segunda colocada, a Volkswagen Saveiro.

E bom lembrar que, em média, oito em cada 10 modelos da Fiat entregues são para vendas diretas. Ou seja, para brigar com a Strada ainda é preciso saber jogar no “atacado”, com condições e linhas de crédito especiais, descontos generosos e pós-venda que não afugente o cliente pessoa jurídica.

Andar de cima

Por que, então, não mirar nos andares superiores? É para onde várias empresas já se movimentam. Um andar acima já foi até criado por Renault e Fiat, com mais sucesso e originalidade por parte da segunda.

A Oroch inaugurou o segmento que chamamos de picapes médio-compactas, com porte das médias dos anos 1990 (as primeiras Ford Ranger e Chevrolet S10 a serem vendidas aqui, por exemplo), estrutura monobloco e espaço interno, preços e equipamentos acima das pequenas.

Pena que a Renault optou por fazer um “Duster com caçamba”, enquanto a FCA se valeu da plataforma do Renegade para desenvolver uma picape que tem, no design diferente do padrão, o seu principal argumento.

Agora, todos estão atrás da Toro. Ford e General Motors desenvolvem seus modelos de olho nesse próspero filão. A empresa da marca oval já testa uma picape sobre a plataforma do Focus. A GM, por sua vez, prepara sua resposta neste segmento com um modelo que vai usar a base do novo Chevrolet Tracker. Os dois modelos são cotados para serem feitos no Mercosul, inclusive.

Outra que se mexe é a Hyundai, com a Santa Cruz, cuja produção já foi confirmada nos Estados Unidos e que segue em testes e se tornou alvo fácil para projeções mundo afora. Porém, ainda sem confirmação para cá.

Ford também vai entrar na disputa do mercado da Toro com uma picape baseada no Focus
Crédito: Reprodução/Autologia
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A Volkswagen foi uma das primeiras a criar uma rival deste porte, a Tarok, aquele carro-conceito mostrado no Salão de São Paulo 2018 praticamente “pronto” - o modelo final já foi registrado no INPI. Na “rádio corredor”, dizem que o projeto está em banho-maria, devido aos custos de investimento em um momento de incertezas econômicas.

Porém, é consenso dentro da marca que é preciso ter presença mais agressiva no mercado de comerciais leves, algo que a Saveiro não consegue. Enquanto a Amarok, apesar de todas as virtudes, se vê em um segmento ainda mais disputado.

Briga de gente grande

Contudo, apesar de ser povoado de bons produtos, esse setor de picapes médias do qual a Amarok faz parte é o que mais atrai, justamente por aquele valor agregado que citamos no início. Basta ver a campanha da S10 2021 que acabou de ser lançada: foco total justamente no uso profissional da picape, especialmente para o agronegócio - as comoditties do campo vão muito além dos agroboys.

Tanto é que até mesmo marcas sem tradição vão se aventurar neste mercado disputado por marcas tradicionais. Além das duas estadunidenses e da Amarok que já falamos, tem Nissan, com Frontier, Mitsubishi, com L200, e a Toyota, com a Hilux, esta referência de veículo para muitos picapeiros e líder do segmento no acumulado do semestre quando o assunto são as vendas no varejo, ou seja: para pessoa física.

Para brigar com as versões mais caras destes modelos, ainda teremos umas grandonas que fazem a cabeça de muitos picapeiros. A RAM vai importar a 1500 e a Ford, a F-150, a partir de 2021, para tentar beliscar vendas das médias topos de linha com o argumento focado suas generosas dimensões.

É nesse bolo onde duas francesas vão se enfiar. A Renault vem com a Alaskan, cuja novela parece estar perto do fim. Fruto da aliança global da marca (Nissan e Mitsubishi) com a Daimler, a picape média apareceu e sumiu do Salão de São Paulo 2018. Teve produção confirmada, descartada, mas agora sua fabricação em Córdoba, na Argentina, já é realidade e o modelo deve chegar por aqui em 2021.

Nesta unidade argentina, também é feita a atual Frontier. E era para sair de lá, também, a Mercedes-Benz Classe X, mas a picape da marca alemã ficou pelo caminho e se transformou em um dos grande micos da indústria automotiva - não durou quatro anos na Europa e sua fabricação no Mercosul foi uma das primeiras confirmadas e... descartadas.

a Peugeot vai de Landtrek. O modelo será a variante da marca francesa da Changan Kaicene F70, picape chinesa feita em parceria com a PSA na Ásia. Aqui na América Latina, ela quer beliscar um mercado de 400 mil unidades/ano.

As vendas começam pelo México e depois seguem para alguns mercados do continente até chegar ao Brasil, o que estava previsto para novembro de 2020, mas que provavelmente ficará para início de 2021 devido à pandemia da Covid-19.

De qualquer forma, a Landtrek será produzida em El Palomar, na Argentina, para abastecer os países sul-americanos. Importante recordar que o CEO mundial da Peugeot, Jean-Philippe Imparato, foi bem claro ao dizer que o modelo quer brigar com a Hilux. Em outras palavras: está de olho mais no público que usa picape para o lazer.

No Brasil, a estratégia da Peugeot faz todo o sentido: disputar o varejo, para uma empresa que passa por dificuldades e ainda está em processo de reestruturação de sua rede, é bem mais inteligente do que se arriscar nas vendas diretas.

Certo é que as duas estreantes entre as médias terão trabalho árduo pela frente. Terão de pavimentar a imagem de suas marcas em um mercado disputado a tapa, e onde design e equipamentos falam alto de um lado, e preço, custo/benefício e robustez pesam mais do outro.

De qualquer forma, só ratificam a importância das picapes para o mercado, especificamente na retomada econômica tão esperada pós-pandemia. E mostra que nem só de SUVs vive o setor automotivo. Oxalá.

 

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