Os suecos são um povo peculiar. Além de dar muito valor ao seu estilo de vida próprio, que para alguns pode ser inusitado, esses nórdicos também não gostam de levantar alarde sobre os seus feitos ou opiniões. Há até uma expressão para definir como tratam a vida: “lagom”, que significa nem muito, nem pouco. Numa alusão ao equilíbrio e a tranquilidade.
Por isso, quando a Volvo anunciou em dezembro último que passaria a comercializar no Brasil o XC40 apenas na configuração elétrica, apesar de parecer radical, não fiquei surpreso.
O comportamento frio e direto dos executivos chocou, porque o modelo representa mais de 40% do total das vendas no país. Além disso, as nossas terras tupiniquins, com sua proporção continental, convenhamos, não são hoje o melhor exemplo de eletrificação no planeta.
Uma aposta agressiva, mas que para os suecos soa como natural, pois é como eles enxergam o futuro, ou melhor, o presente. Prova disso é que a matriz da marca decidiu que até 2030 todos os Volvo vendidos no mundo serão 100% elétricos. Então, nada melhor que começar a mudança.
Este fato desencadeou em mim uma pergunta. Será que já é possível ter um carro elétrico na garagem? Obviamente se dinheiro não for um problema.
Para tirar esta dúvida me coloquei a testar um XC40 elétrico por um mês. Usá-lo no dia a dia, na vida como ela é. Adianto que os 30 dias a bordo de rodas sob baterias foram, no mínimo, estranhos.
O XC40 Recharge Pure Eletric na cor vermelha (fusion red) com teto preto, e etiqueta sugerida de R$ 409.950, em versão única, chegou à minha garagem com 77% de bateria. Até aí nenhum problema, já que no seu range máximo o SUV roda até 418 km, segundo a Volvo.
A primeira surpresa veio no dia seguinte, quando fui tirar o carro e constatei que o nível da bateria havia baixado para 75%. Poxa, mas não havia feito nada, nem havia começado o teste. Pois é, assim como a bateria dos nossos celulares cai aos poucos mesmo sem uso, o mesmo acontece com os elétricos. Bem-vindo ao mundo de mister Tesla.
Notei também que a Volvo aproveitou a apresentação da versão 100% elétrica para fazer mudanças de meia vida no seu modelo de entrada. O utilitário recebeu, entre outras coisas, redesenho do painel de instrumentos digital de 12,3 polegadas, além de nova central multimídia de nove polegadas, agora com o sistema operacional Android Automotive OS. Que apesar de manter o visual da anterior, Sensus Connect, passou a ter o gerenciamento feito pelo Google. Basta dizer “Google ligar o rádio” ... para começar a ouvir alguma música.
No nível de equipamentos, a versão Recharge se equivale ao que era a R-Desing, topo de linha, nas configurações a combustão e híbrida. Com direito a teto solar panorâmico, bancos elétricos com forração em couro e alcantara, rodas de 20 polegadas e som da renomada marca Harman Kardon. Porém, há algumas mudanças sutis.
O modelo, por exemplo, perdeu as saídas USB tipo A, mais comuns, e agora conta com quatro encaixes USB C, duas no console da frente e duas para os viajantes do banco traseiro. Azar de quem tem celulares mais antigos. Menos perceptivo ainda foi a alteração feita nas medidas dos pneus. As rodas de desenho exclusivo são revestidas por pneus run flat de diâmetro 235/45 no eixo dianteiro e 255/40, na parte traseira.
Outro ponto curioso foi a troca do bocal de abastecimento de lugar. Nos XC40 híbridos, ficava na lateral direita do capô. Agora, no Pure Eletric, foi deslocado para a lateral esquerda traseira, logo depois da porta do passageiro.
Além disso o SUV ganhou um “front trunk” ou porta-malas dianteiro, que fica no lugar do motor e acomoda até 31 litros de carga. Durante o teste, confesso, que usei apenas uma vez para guardar uma mochila com laptop. Foi útil, mas não chegou a ser uma necessidade. Já o porta-malas, propriamente dito, encolheu. Passou de 460 litros para 414 l.
Porém, sem dúvida, a principal alteração estética está na dianteira. Como o elétrico não tem motor sob o capô não é necessário deixar espaço para ventilação. Por isso, a frente é fechada, numa peça única, que sustenta o grande logo da marca. A alteração deu um ar diferente ao modelo.
Depois de levar susto com a queda do nível da bateria, outra surpresa foi ao tentar ligar o carro. Não há botão de ignição. Com a chave no bolso, basta colocar o seletor do câmbio em D (drive) e acelerar. Bem ao estilo dos carrinhos de bate e bate, que por acaso também são elétricos. Para desligar é só apertar o botão de Parking (P) e voilà, abrir a porta e sair. Estranho numa primeira vista, mas bastante prático no dia a dia.
Assim como era com a central Sensus, todas as principais configurações do XC40 continuam a serem feitas pelo novo sistema de infotainment. Por ali se controla os auxiliares de condução, vários deles ligados a segurança, como é de se esperar num Volvo, e, inclusive, é possível baixar aplicativos da loja do Google, como Spotfy e TuneIn. Só não dá para usar o Waze ou parear com Apple Car Play, por enquanto.
Inclusive, pelo sistema é possível configurar a função “one paddle”, que ajuda a regenerar as baterias através do uso da energia das frenagens.
No início, não há como não estranhar. O carro chega a parar por completo quando se tira o pé do acelerador, mesmo numa descida - e o mesmo acontece quando você está com o freio acionado para reduzir a velocidade e tira o pé sem pisar no acelerador.
Com o tempo, é fácil adaptar a sua condução. Em pouco mais de dois dias eu conseguia calcular a distância necessária para tirar o pé do acelerador e parar onde queria. É divertido. Apesar de algumas vezes o tranco na desaceleração ser um pouco rude, especialmente com passageiros desavisados.
Os primeiros dias foram assim, de adaptação. Primeiro foi preciso se acostumar com a falta de barulho do motor (várias vezes não sabia se o carro estava ligado), depois foi necessário entender que o painel de instrumentos, muito bonito, ao invés de indicar as rotações do motor, traz informações das baterias - hora carrega, hora gasta energia. Também não há troca de marchas, quando você não acelera, o carro freia, e acabou.
Diferente de outros elétricos, o Volvo não traz uma estimativa de alcance em distância das baterias. No máximo, você coloca um destino na central multimídia e o sistema te passa uma ideia de quanto terá de percentual ao chegar no destino (somente quando a autonomia cai para menos de 50 km se tem este tipo de marcação). Melhor seria como no Chevrolet Bolt, em que é possível acompanhar, em tempo real, se o seu estilo de direção aumenta ou diminui o alcance máximo em quilômetros.
Apesar de ser digital, os suecos abusaram do estilo “lagom” no cluster. Há, basicamente, duas formas de visualização, com ou sem mapa (Google Maps). Muito pouco para um painel que pode ter qualquer tipo de configuração.
Sem dúvida, a parte mais lúdica de se ter um elétrico é a dirigibilidade. No caso do XC40, são dois motores elétricos, um em cada eixo, que juntos produzem o equivalente a impressionantes 408 cavalos de potência e 67,3kgf.m de torque. Para se ter uma ideia, o esportivo Audi TT RS (R$ 569.990) entrega 400 cv e 45,8 kgf.m. Com estes números, o SUV da Volvo acelera de 0 a 100km/h em 4,9 segundos. Nada mal.
Por conta de as baterias ficarem no assoalho, o centro de gravidade do Volvo é mais baixo, o que proporciona mais estabilidade ao utilitário. Além disso, a tração é nas quatro rodas, o que o torna ainda mais arisco em retomadas e assentado nas curvas. Divertido, mesmo que a proposta seja mais para a segurança do que para a esportividade.
A vida de quem dirige um elétrico é uma verdadeira caça ao Pokémon. Como não há postos de combustível, toda saída é uma oportunidade em potencial para carregar as baterias. Se você vai ao supermercado, tenta achar um que tenha carregador. A mesma coisa para ir ao cinema, para a academia, ao shopping ou qualquer outra atividade que envolva o uso de um carro.
No começo é divertido, depois nem tanto. Você descobre que nem sempre há um ponto de recarga por perto e que muitas vezes é preciso gastar para chegar até ele. Por exemplo, vários estacionamentos disponibilizam carregadores grátis em São Paulo, mas para entrar no local você sempre precisa pagar.
Algumas concessionárias também concedem carregamento gratuito, mas a maioria delas só mantém o local aberto em horário comercial. Durante o teste tentei carregar na Volkswagen, BMW, Mini, Volvo e JAC. Todas tinham equipamentos que podiam ser usados sem custo, mas somente a chinesa deixava o estacionamento aberto depois das 18h ou aos finais de semana.
Outro perrengue chique do dono de elétrico é com a conservação dos equipamentos e as vagas próprias. Houve vezes em que os locais estavam ocupados por carros a combustão, outras em que o equipamento estava fora de serviço, casos em que a disposição da vaga me obrigou a passar o cabo por cima do teto ou, até, momentos em que o aplicativo do celular para habilitar a operação estava com problemas.
Por não ter carregador no meu prédio ou na Webmotors tive que recorrer a estacionamentos pagos. Em nenhum deles foi preciso gastar para carregar, mas em todos arquei com o custo da vaga. O resultado inicial me preocupou. Nos primeiros 171 km de uso do carro gastei R$ 139. Uma conta absurda de R$ 0,81 por quilômetro rodado. Bem acima do gasto com um carro a combustão.
Os ventos mudaram a favor do XC40 quando encarei uma viagem de quase 700 km, uma ida e volta entre São Paulo e Ribeirão Preto. Gastei um total de R$ 14 com carregamento! Mas foi com emoção e num próximo texto te conto mais sobre essa montanha russa.
No final do teste de um mês com o Volvo XC40 o resultado foi positivo. O gasto total foi de R$ 224 para rodar 903 km (R$ 0,24/km). Não é à toa que várias concessionárias da Volvo têm feito promoções e dado um carregador de casa (wallbox) na compra de uma unidade do modelo. Se você pretende ter um elétrico é quase indispensável ter um desses em casa.
Como produto o Volvo XC40 Recharge é, sem dúvida, uma das melhores escolhas em termos de elétricos hoje no mercado. Seguro, espaçoso, com ótimo acabamento, tecnológico, com um dos mais avançados sistemas de direção semiautônoma do mercado, um dos mais intuitivos infotainment (apesar de ainda não parear com Waze) e num nicho de preço abaixo dos concorrentes alemães, mesmo por um valor bem indigesto para a maioria dos brasileiros.
O maior obstáculo para os planos audaciosos dos executivos da Volvo está na precária rede de carregadores e na falta de conscientização das pessoas para uso consciente das vagas para elétricos. Talvez por isso, a marca anunciou um investimento milionário em carregadores rápidos (capazes de carregar até 80% da bateria em 40 minutos) para 2022. Resta saber se o estilo “lagom”, que prega as coisas no tempo certo vai servir para esta tacada audaciosa da marca sueca.
VOLVO - XC40 - 2022 |
P8 RECHARGE ELECTRIC BEV PURE AWD |
R$ 399950 |
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