Na hora certa e no lugar certo. Essa máxima nunca fez tanto sentido para a recém-criada Stellantis como agora. Não falo do fato de a fusão entre os grupos FCA e PSA ter resultado no quarto maior conglomerado automotivo do mundo. Falo mesmo do mercado brasileiro, onde a montadora e suas marcas se tornam uma potência.
Ao mesmo tempo, uma conjuntura de fatores tem tudo para impulsionar ainda mais os negócios locais da Stellantis. Bem, voltemos pouco no tempo: em janeiro a consolidação da fusão resultou em um grupo com 14 marcas, mas as quatro principais, digamos assim, vivem momentos bem opostos no Brasil.
De um lado, Fiat e - especialmente - Jeep registram crescimento nas vendas e em participação de mercado ao longo dos últimos quatro anos. Do outro, Peugeot e Citroën viram os volumes minguarem no mesmo ritmo da queda na oferta de produtos em meio a uma reformulação da rede com diminuição do número de concessionárias.
Para se ter ideia, as duas francesas, juntas, não chegam a 2% de participação de mercado. Isso para uma holding que chegou a ter 5% de market share nos áureos anos 2000. Mas, a história pode - e deve - mudar.
Independentemente dos erros cometidos pela PSA no Brasil neste passado recente - que já tratamos nesta coluna -, o fato é que agora ela é Stellantis. E tanto do lado francês, como do ítalo-americano, o momento é oportuno para alavancar os negócios destas quatro marcas da linha de frente no mercado brasileiro.
Isso porque a pandemia, que não foi capaz de macular significativamente as vendas de Fiat e Jeep, represou alguns lançamentos que calharam com a fusão. Claro que eles estavam programados antes da formação da Stellantis, mas tais estreias se realizam no momento que pode apontar uma retomada de vendas.
Só neste último mês, a parte FCA mexeu em time que ganha - com folgas. Renovou duas líderes absolutas de mercado: a picape médio compacta Fiat Toro e o SUV médio Compass.
Para 2021/22, a marca italiana ainda concentra um sem número de estreias: o crossover do Argo, o Cinquecento elétrico e a Strada com câmbio CVT surgem este ano. Para a próxima temporada, tem motor turboflex para Argo e Cronos e o SUV compacto derivado do conceito Fastback.
Na Jeep, teremos o inédito utilitário esportivo de sete lugares e a picape Gladiator, derivada do Wrangler. E, para o ano que vem, o Renegade, também com o novo motor turboflex.
Só que até mesmo os franceses irão se mexer. A Citroën vai renascer das trevas e deixar de ter apenas o C4 Cactus em suas lojas. Em outubro, a marca lança a nova geração do C3, na forma de hatch mais alto. Em 2022, chegarão as crias: um crossover e um sedã compactos.
A Peugeot vai ter que dar uma atualizada no seu 2008 à brasileira, mas estreia em um segmento em 2022 no qual - se trabalhar direitinho - pode engordar as contas: a picape média Landtrek, que já foi lançada na América Latina.
A tendência natural é que tais lançamentos embalem uma maior participação de mercado para as marcas - e aumentem a fatia do grupo como um todo no Brasil. E falamos de um conglomerado que, hoje, responde por 3 em cada 10 carros vendidos no país.
Isso mesmo, pelo fechamento do quadrimestre da Fenabrave (a associação de concessionárias), Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën responderam por quase 30% do total de emplacamentos de automóveis e comerciais leves no país. E isso com a dupla oriunda da PSA ainda mal das rodas e com poucos produtos.
Um panorama dentro de uma vertente de crescimento. Tudo bem que tivemos uma pandemia a partir de março de 2020, mas o crescimento de vendas das montadoras da Stellantis, segundo a Anfavea (entidade que reúne os fabricantes), salta aos olhos.
A FCA cresceu quase 50% e a PSA, mais de 28% nas vendas de automóveis de passeio. Nos comerciais leves, a evolução é ainda mais surpreendente: 95% para Fiat e cia, 11% para Peugeot e Citroën.
Se formos para os recortes, inclusive, a Fiat ainda caminha para se consolidar mais uma vez na liderança geral do mercado. E, aqui, as circunstâncias vão favorecer a italiana sozinha.
A produção da linha Onix suspensa em Gravataí (RS) faz com que a General Motors perca muito em volume de vendas e market share - afinal, são os dois carros (sedã e hatch) mais vendidos do país. Isso abre ainda mais espaço para o domínio da Fiat.
Desta forma, a Stellantis caminha para ser um gigante no Brasil, que tem chances de chegar aos 35% de participação em dois ou três anos. Claro que é preciso combinar com os russos. A concorrência vem com sangue nos faróis, especialmente para cima de Toro e Compass.
Só que a Stellantis tem, além do ritmo de crescimento e de novos produtos, um leque bem variado de possibilidades graças à sinergia futura. São três fábricas, com boas capacidades, e que podem gerar carros sobre a mesma plataforma para as mais variadas marcas.
Eu já escrevi aqui, inclusive, que o novo Uno pode ser originado a partir do futuro C3. Essa e outras significam redução de custos e maior competitividade, palavras mágicas para qualquer indústria.
E neste caminho para ser uma potência no nosso mercado, a empresa parece ter aprendido com os erros das marcas no passado. O foco é nas quatro divisões que têm nome e presença no país.
Nós, amantes e entusiastas de carros, vivemos cobrando a volta da Alfa Romeo e uma vinda da Opel para cá. Porém, o próprio Antonio Filosa, que comanda a Stellantis Latam, já avisou que quer dar à Peugeot e à Citroën o mesmo impulso que conseguiu com Fiat e Jeep. Ou seja, os esforços estão concentrados nas marcas já estabelecidas - tem a RAM também, mas esta é bastante segmentada em nosso país.
E ele está certíssimo. Antes de arriscar perder dinheiro com Alfa e Opel - ou mesmo Chrysler e Dodge -, o negócio é garantir a rentabilidade do quarteto. Um passo que pode ser de gigante.